Luiz Tito

Luiz Tito escreve de segunda a sábado em O TEMPO

Vale para inglês ver

Publicado em: Ter, 19/02/19 - 03h00

A grande diferença do Brasil para os países civilizados é, em primeiro lugar, o respeito ao cidadão. Em qualquer nação de Primeiro Mundo, o Estado funciona de verdade. No Brasil, só para inglês ver.

Passaram-se três anos do maior desastre ambiental do país e o segundo mais terrível do mundo, e o que se viu nesse período? Desculpas esfarrapadas, falsas intenções de indenizar, esquivos de toda parte, utilização de uma tal Fundação Renova para seduzir os pobres dos atingidos, que, no entanto, em vez de terem suas vidas renovadas, tiveram-nas destruídas e até hoje não reparadas.

Promessas, engodos, acordos não cumpridos, compromissos esquecidos ou mentirosos. Cenário de impunidade ideal para a ocorrência do segundo desastre: o de Brumadinho. Mais de 330 mortos, mesma estratégia que a adotada quando da catástrofe de Mariana, ou seja, jogar com o tempo. Sim, porque a Vale sabia que, em um país de infratores impunes como o Brasil, logo outras tragédias viriam e desviariam os holofotes da destruição causada pela lama da barragem de Córrego do Feijão. O assoreamento do rio Paraopeba foi esquecido pelo incêndio criminoso que vitimou jogadores juvenis do Flamengo. O desespero das famílias que nem sequer tiveram a oportunidade de velar seus entes queridos foi ofuscado pelo lamentável acidente aéreo que vitimou o excepcional jornalista Ricardo Boechat. Enquanto isto, mais bagrinhos são presos ao amanhecer, no afã das autoridades de mostrar à sociedade alguma evolução nas apurações da negligência evidente ocorrida em Brumadinho. Prender um cardume de lambaris é mais fácil do que deter um tubarão.

E assim segue o Brasil, o país da “lei de Gerson”, do faz de conta que é sério, onde tudo é para inglês ver. Paralelamente, a arrogância da empresa transborda nas palavras de seu inábil presidente. Segundo ele, a Vale é uma joia e não merece ser condenada pela tragédia de Brumadinho. Impressiona, a mais não poder, a frieza ou cinismo de tais palavras, claramente motivadas pelo sentimento de impunidade, diante de mais de 330 vidas ceifadas. É de se perguntar ao parlapatão executivo, um dos mais bem-pagos do país, diga-se de passagem: quem deve ser condenado? Os trabalhadores, por sentirem fome e estarem, no momento do rompimento, almoçando no refeitório criminosamente instalado aos pés da barragem? Ou o papa Francisco, por suas orações contra a violência e omissões criminosas não terem salvado as 330 vidas?

Ao mesmo tempo, nessa mesma semana, um órgão, que deveria se chamar CAbiDE, e não CADE, pois só serve para gerar empregos, autoriza a compra da Amazonas Energia por um tal grupo Oliveira. E o Cade veta alguma coisa? Esperar um veto do Cade é o mesmo que se acreditar que CPIs sirvam para qualquer outra coisa senão permitir aos parlamentares “criar dificuldades para vender facilidades”. Alguma CPI já puniu alguma coisa neste Brasil? As CPIs são imediatamente instaladas após cada ocorrência que gere mídia e, depois, se arrastam e não chegam a lugar algum. Tudo, absolutamente tudo, para inglês ver. Tudo cortina de fumaça. Punição mesmo, que é bom, só para lambaris.

Mas tudo bem. No fim de semana o povo tem circo, porque, afinal, o Brasil é o país do futebol.

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