Narayan é brasileira, formada em letras greco-latinas e filosofia. De ascendência hindu, morou na Índia, mas como a família mudava-se com frequência, conheceu várias cidades como Londres, Amsterdã, Mumbai, Pune e Rio de Janeiro. Em seus livros, ela narra a jornada de uma jovem escritora carioca que mergulha na noite paulistana, permitindo-se experimentar jogos sexuais diferentes.

Em outra entrevista você se apresentou como “escritora com formação em letras greco-latinas e filosofia, atriz, feminista, ativista anarquista e LGBT”. Qual dessas atividades te dá mais prazer?

Escrevo pelo compromisso social de elevar a qualidade de vida das pessoas. Acredito na importância de se cultivar um pensamento que fuja de visões maniqueístas e simplistas. Esse é um compromisso meu com o universo. Como atriz fiz pouquíssimos trabalhos, mas gostei muito, eu adoro brincar e estar com meus amigos atores. O feminismo, o ativismo anarquista e o compromisso em defender o orgulho LGBT são partes da minha criação literária. Sou também modelo fotográfico e isso me dá igual prazer. Difícil escolher. A escrita é de todas essas atividades a que mais me define como ser humano.

Ao G1 você disse que "Não me sinto mulher. Esse gênero carrega todo um conjunto de características que se espera da fêmea". Como você se define?

Quando digo que não me sinto mulher, refiro-me ao papel destinado ao feminino pela sociedade patriarcal na qual vivemos. Acredito na noção de Judith Butler, na separação conceitual de sexo e gênero, cada um escolhe como se apresenta no mundo, se libertando da opressão da natureza. A sociedade não entende que é ela mesma que impõe e espera comportamentos "femininos" e "masculinos". Eu não me defino. A definição limita.

No entanto, você ficou mais conhecida após o livro "Fêmea Alfa - Diário Real das Minhas Orgias". Por causa dessas histórias de sexo sem compromisso você vem sendo chamada de a “nova” Bruna Surfistinha. Isso te incomoda?

Entendo que isso aconteça devido à multiplicidade de garotas de programa lançando livros sobre suas experiências sexuais. Não sou garota de programa. Admiro a coragem da Bruna e das outras meninas que resolveram expor suas visões de mundo e tal. Porém penso que me conecto mais com outras autoras tais como Catherine Millet, Anais Nin, por coadunar com uma visão libertária sobre amor e sexualidade. O dinheiro não entra como uma moeda de troca, menos por uma questão moralista e mais por uma questão até egoísta, não me vejo como alguém que tenha qualquer interesse em prestar um serviço ou ser objeto de desejo, sou eu quem deseja.

Aliás, o seu marido não se incomoda? No seu “casamento aberto”, há mais de 10 anos, existem regras?

Não existem regras. Somos libertários. Meu marido acha tudo natural. Vivemos o que estamos com vontade e ele não faz disso um panfleto. Eu sou engajada, então fiz disso tudo um panfleto e alimentei minha obra artística com imagens que julguei iluminadas como o mergulho na orgia e no amor livre.

Defender a não caretice dos tempos atuais está entre as suas “militâncias”. Ao Uol, você disse que adorou transar com mais de 30 homens e não tem nenhuma vergonha de admitir que adoram sexo livre, safado e sem limites. Depois de vários episódios de estrupo coletivo que chocaram o país, você não teme que declarações como essas possam levar meninas a se arriscarem dessa forma?

Venho de uma família indiana e na Índia os episódios de estupro coletivo se tornaram cada vez mais chocantes. Uma sociedade que não tolera a liberdade comportamental aniquila seus indivíduos e faz com que a pressão sobre as mulheres aumente, o medo das pessoas acaba gerando o falso pensamento do "ela fez por merecer" ou "ela estava de saia curta" ou "ela provocou" ou mesmo "ela convocou a tropa". O que nunca se fala e é um tabu é que toda mulher tem o direito de experimentar o que quiser, entendendo que a partir do momento em que ela diz "não" ou mesmo demonstra que não está à vontade, cabe ao outro parar qualquer movimento. O problema é mais cultural do que qualquer outra coisa. O problema é educacional. Falta tudo e o machismo impera. Eu não vou coadunar com uma postura machista e aumentar o coro do incentivo ao "bela, recatada e do lar".

Como você lida com todo o assédio moral e sexual que recebe constantemente por causa desses episódios publicamente declarados?

É preciso ter coragem para continuar. Ainda me choco com a ignorância generalizada. Mas tenho esperança de que um Brasil melhor possa ser construído.

Nessas orgias você já sofreu ou presenciou algum tipo de violência?

Não.

Você já fez programas pagou ou todas essas festas são de “amigos”?

As festas que frequento são naturais. Meus amigos são liberais.

Outra festa descrita em detalhes no seu livro aconteceu em uma sauna gay no interior de São Paulo, com vários jogadores de futebol, ambiente ainda muito machista no nosso país. Por que o futebol brasileiro ainda está trancado no armário?

Essa é uma questão que mereceria uma análise complexa. O futebol é um reduto de machismo ainda maior do que a média brasileira. Isso mereceria uma tese de doutorado e eu não tenho tanto conhecimento nessa área. Os esportes de torcida, me parece, são uma reconstrução das batalhas em tempos de paz. Então, os atletas são gladiadores e devem seguir o arquétipo do machão, o público exige isso.

Por que ainda é tão difícil falar de sexo, orgasmo, nudez principalmente quando uma mulher admite isso?

Tudo recai no machismo. No medo que alguns homens têm de verem seus falos insatisfatórios sofrerem com qualquer pequena crítica. Sim, porque uma mulher mais sexuada acaba por exigir desenvolvimento maior do parceiro. Estou falando do mundo hétero. O número de mulheres que nunca gozou pela penetração é proporcional ao número de homens que não fazem a penetração de forma correta (com o pênis bombeando e rebolando encostadinho no clitóris), a verdade é que eles não conseguem se ver no papel de serem avaliados sexualmente. Causa-lhes ojeriza.

Qual mensagem você quer passar quando diz que: "Minha obra é sobre liberdade, sobre erotismo bem vivido"?

A mensagem que quero passar é de que existe um patamar de liberdade e felicidade maior que a sociedade pode alcançar, mas isso depende de cultura, educação e uma visão libertária sobre a sexualidade. A partir desses pilares, poderemos ter relações uns com os outros de maior qualidade em todos os aspectos.

Dentre seus próximos projetos está um livro em parceria com o músico Tico Santa Cruz. O que você pode nos adiantar sobre isso e em relação a novos trabalhos?

O Tico Santa Cruz é muito ocupado, o projeto ainda não rolou por conta de sua agenda lotada e agora eu também me vejo com inúmeros compromissos. Em relação aos outros trabalhos: já me preparo para mergulhar na criação de um novo livro que misture texto e imagens.