Coronavírus

Núcleo duro do Ministério da Saúde diz que, se Mandetta sair, sai junto

Bolsonaro tem questionado condução do ministro e chegou a ameaçar demiti-lo

Por Natália Cancian
Publicado em 08 de abril de 2020 | 11:16
 
 
Luiz Henrique Mandetta disse que se for demitido do Ministério da Saúde os outros secretários da pasta também sairão Marcello Casal/Agência Brasil

"Aqui entramos juntos e estamos juntos. Quando eu deixar o ministério, vamos colaborar com a equipe que vier, mas vamos sair juntos", disse o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, rodeado por cinco dos sete secretários da pasta e acompanhado por servidores que atuam no combate ao novo coronavírus.

O encontro em peso na mesa de auditório, comum apenas em grandes eventos e momentos de posse de ministros, ocorreu na noite da segunda-feira (6). O motivo não era a posse do titular, mas o risco de sua saída – e, com ele, do restante da equipe.

O movimento de "se sair, saímos juntos" tem sido reforçado nos bastidores por parte dos secretários do Ministério da Saúde em meio à queda de braço entre Mandetta e o presidente Jair Bolsonaro.

A frase é repetida sobretudo pelo secretário executivo da pasta, João Gabbardo dos Reis, e pelo secretário de Vigilância, Wanderson Oliveira, ambos na linha de frente do combate ao novo coronavírus.

"Fui convidado por ele e sairia com ele", disse Gabbardo à reportagem nessa terça-feira (7). Em meio à crise, o ministro também tem tentado dar visibilidade à equipe, marcada pela experiência em gestão de saúde e atuação em outros governos.

Médico e ultramaratonista, Gabbardo, número 2 da pasta, é descrito por Mandetta como "o cara que prevê e resolve as coisas". No caso do coronavírus, isso significa lidar com a gestão de leitos e a oferta de equipamentos no SUS. Antes de assumir o cargo, havia sido secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, de 2015 a 2018, e passado pelo ministério na gestão Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Também foi presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), que representa os Estados nas decisões sobre o sistema de saúde. Recentemente, foi alvo de críticas após aparecer correndo com a esposa nas ruas de Brasília em meio à orientção de isolamento social.
Mandetta saiu em sua defesa: "O pessoal pode fazer uma caminhada, pode ficar tranquilo. Só não pode aglomerar. O Gabbardo é ultramaratonista, autorizei a dar uma corridinha", disse.

Alçado ao cargo por indicação de Onyx Lorenzoni e do deputado federal Osmar Terra, Gabbardo levou à equipe Erno Harzheim, médico de família e ex-secretário de Saúde de Porto Alegre e hoje responsável pelas ações na área da atenção básica.

Gabbardo desejava ter como sua principal vitrine o programa Médicos pelo Brasil (em substituição ao Mais Médicos, criado na gestão Dilma Rousseff, para levar profissionais ao interior do país). Era este seu front mais próximo das ações e decisões do ministro.

Entre aliados, o grupo era visto como técnico, mas também entusiasta da gestão Bolsonaro. Com frequência, medidas da pasta eram anunciadas nas redes sociais com citação ao presidente e ao ministro.

As interferências recentes do Planalto em decisões, no entanto, geraram um clima de mal-estar no grupo, acostumado com liberdade de trabalho, e isso se refletiu nas postagens na rede, agora atreladas apenas ao ministério.

A chegada do novo coronavírus também conferiu força a Wanderson Oliveira, enfermeiro epidemiologista, pesquisador da Fiocruz e secretário de Vigilância em Saúde da pasta. Seu nome foi um dos últimos a ser anunciado. Na época, o próprio ministro chegou a dizer à reportagem que estava com dificuldade em encontrar um nome técnico como gostaria.
Sua escolha é atribuída a Agenor Álvares, sanitarista e ex-ministro da Saúde do governo Lula (PT), a quem Mandetta pediu indicações. Desde então, o ministro tem definido o secretário em coletivas como o seu "controlador de tráfego", "aquele que lê, que vê números e fica medindo".

A presença de Oliveira tem sido respaldada por gestores estaduais de saúde, que veem no secretário experiência em situações de emergência – antes do coronavírus, fez parte da equipe que atuou no ministério em resposta à emergência pelo vírus da zika. Nos bastidores, Oliveira também tem repetido que deixará o ministério caso Mandetta saia.

A equipe que estava ao redor do ministro na mesa também tem nomes de amigos e profissionais remanescentes de gestões anteriores.

Um deles é Denizar Vianna, médico cardiologista que assumiu a Secretaria de Ciência e Tecnologia e de quem era próximo nos tempos de faculdade. Outro é Francisco de Assis Figueiredo, que já era secretário da área de assistência especializada sob Michel Temer (MDB).

Na segunda-feira, Figueiredo desceu ao térreo do ministério para esperar a chegada do ministro com outros servidores.

Dois secretários, no entanto, estavam ausentes da mesa no encontro dessa segunda: Mayra Pinheiro, titular da Secretaria de Gestão Estratégica em Trabalho na Saúde e conhecida por ter participado de protestos no passado contra a vinda de cubanos ao Mais Médicos, e Robson Santos da Silva, coronel do Exército à frente da saúde indígena.

Questionada pela reportagem, Mayra Pinheiro evitou comentar a crise e disse que estava de plantão como intensivista pediátrica na hora da coletiva. "Em tempos de coronavírus, sigo também fazendo o meu papel de médica, que é salvar vidas", afirmou. A reportagem não conseguiu contato com o coronel Silva.