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Projeto de Bolsonaro pode ‘anistiar’ até 43 mil mineiros

Brasil é o 4º no ranking mundial de mortes no trânsito, e especialista vê piora na segurança

Por Ana Luiza Faria e Litza Mattos
Publicado em 05 de junho de 2019 | 03:00
 
 
Presidente leva ao Congresso texto que permite CNH com 40 pontos e validade de dez anos Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Quase 43 mil pessoas em Minas Gerais respondem a processos administrativos na Justiça por terem acumulados mais de 20 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Caso o projeto de lei que modifica regras na CNH, enviado nesta terça-feira (4) para a Câmara dos Deputados, pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), seja aprovado, parte desses motoristas serão beneficiados. Isso porque, de acordo com a proposta, os motoristas poderão dobrar o número de pontos por infração na carteira para perder o direito de dirigir. A lei propõe que, em vez de 20 pontos, o limite para a suspensão da habilitação seja de 40 pontos.

Além disso, caso o projeto seja aprovado na Câmara, a validade da CNH será ampliada de cinco para dez anos – para idosos, passa de dois anos e meio para cinco anos. O texto também acaba com exigência do exame toxicológico para motoristas profissionais e abranda as regras para o transporte de crianças.

Bolsonaro levou pessoalmente a proposta ao Congresso e disse que ela “atinge todo o Brasil”. “É um projeto que parece que é simples, mas atinge todo o Brasil. Todo mundo é motorista ou anda de uma forma de outra de um veículo automotor”, declarou.

Num país que ocupa a 4ª posição mundial no ranking de mortes no trânsito, o consultor em transporte Silvestre Andrade considera que as medidas, se aprovadas no Congresso, diminuirão a segurança no trânsito. “Praticamente todos os pontos relevantes são ruins para a segurança. Nós temos feito um trabalho enorme nesses últimos anos para tentar diminuir a violência do trânsito, que mata mais de 40 mil pessoas por ano no país”, criticou.

Ainda de acordo com Andrade, ao “afrouxar” a legislação do trânsito, a mensagem que se passa para a sociedade é que esse não é um problema para o país.

“Esse tipo de medida sinaliza para a sociedade que cometer crimes infrações de trânsito não é importante, ou é menos importante do que deveria ser. Quando você dá liberdade, você diz: olha, isso aqui não é tão ruim assim. Só que os acidentes acontecem sempre após uma infração”, afirmou.

O engenheiro de transporte e trânsito Márcio Aguiar avalia, por outro lado, que o projeto desburocratiza muitas questões relacionadas à CNH. Sobre o aumento de tempo para a renovação do documento, Aguiar afirma que hoje, as pessoas são mais longevas. “A própria Previdência está reconhecendo que as pessoas vivem mais. Uma pessoa de 70 anos, por exemplo está muito bem de saúde ainda”, disse. Para ele, a fiscalização é mais importante que o número de pontos na CNH, já que é comum pessoas com mais de 40 pontos dirigindo sem enfrentar problemas.

Bolsonaro, filhos e mulher colecionam 44 multas

No final de abril, reportagem da Folha de S. Paulo informou que a família Bolsonaro – o presidente, a primeira-dama, Michelle, e três dos filhos – receberam ao menos 44 multas de trânsito nos últimos cinco anos. A primeira-dama e o senador Flávio Bolsonaro têm infrações que extrapolam o limite de 20 pontos permitido por lei para o período de um ano – o que, em tese, acarretaria a suspensão do direito de dirigir. Os dois são os que mais colecionam pontos na carteira ao longo dos cinco anos, com 41 e 39 pontos, respectivamente. O presidente acumulou seis infrações nos últimos cinco anos, segundo o Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (Detran-RJ). Todas já foram pagas e resultaram em 18 pontos na carteira.

Tramitação

O projeto enviado por Bolsonaro deve começar sua tramitação por uma comissão especial na Câmara, segundo informou a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP). Ela estima que será possível aprová-lo na comissão e no Plenário até o recesso parlamentar, em 18 de julho. Após passar pela Câmara, o texto seguirá para Senado. Caso sofra alguma alteração, a proposta teria ainda de voltar para a Câmara. Somente ao final deste processo o texto retorna para eventual sanção presidencial.

Detran deixará de credenciar clínicas

O projeto de lei apresentado nesta terça-feira pelo presidente Jair Bolsonaro também retira dos departamentos de Trânsito (Detrans) a exigência de credenciar clínicas para emitirem o atestado de saúde para renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Segundo o próprio presidente da República, “qualquer médico” poderá conceder esse laudo. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, que acompanhou Bolsonaro na entrega da proposta aos parlamentares nesta terça-feira, ressaltou que o objetivo do projeto de lei é tornar a vida do cidadão mais fácil. O projeto também diminuirá a punição para motociclistas que dirigem sem capacete, reduzindo a classificação da infração de grave e a enquadrando como média. E ainda abre possibilidade de o Contran liberar bicicletas elétricas sem maiores exigências.

‘Nunca chegou notificação’

A reportagem de O TEMPO conversou com duas pessoas que já acumularam mais de 20 pontos na Carteira Nacional de Habilitação. Uma administradora de empresas que pediu anonimato conta que, há mais de um ano, já passou da pontuação permitida por lei, mas, até esta terça-feira, não havia sofrido nenhuma consequência. “Nunca chegou na minha casa nenhuma notificação. Fico apreensiva quando tem alguma multa”, contou.

Já uma publicitária que também não quis se identificar conta que sua CNH foi apreendida quando ela foi parada em uma blitz da Lei Seca.

“O policial não identificou que eu já tinha mais de 20 pontos na carteira. Isso só foi revelado na delegacia, pois, como tinha ingerido álcool, fui apreendida, tive que pagar uma gorda fiança e acabei perdendo a carteira”, disse.