PORTO ALEGRE (RS). Uma capital que tem sacos de areia usados pela população para conseguir passar sobre a água que inunda bairros. É assim que está Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Apesar de servir também para a contenção da água, há quem diga, por ali, que a maior utilidade das barreiras com o volume de chuvas que entrou na cidade é o de permitir a passagem de pedestres.

A reportagem de O TEMPO esteve no local nesta terça-feira (14). Ao percorrer a cidade, visualizou dezenas de ruas alagadas por contas dos temporais das últimas semanas.

Depois de sair de uma rua alagada e passar pela "passarela" improvisada, chega-se em frente à Usina do Gasômetro, famoso ponto da cidade (quando ainda havia essa disposição, para apreciar o pôr do sol) no Cais do Porto, onde foi montado uma espécie de QG. Há tendas de entrega de alimentos e de atendimento médico, além de triagem e acolhimento de animais. 

Também é dali um dos principais pontos de saída de embarcações usadas em resgates. Estão na água barcos, lanchas e jet skis de voluntários e do Poder Público. As chuvas começaram no Rio Grande do Sul em 27 de abril, mas no dia 29 motivaram um alerta vermelho. As primeiras mortes foram registradas já no dia seguinte, em 30 de abril, precedendo os alagamentos.

O zelador Solismar Vieira, de 66 anos, mora há 14 anos no bairro Floresta. Ele não chegou a ter o apartamento no 4º andar de um prédio inundado, mas ainda assim está impossibilitado de chegar em casa porque a rua que dá acesso está alagada, além de não ter abastecimento hídrico e energia. “Estou louco para voltar para casa”, admitiu. 

Ele conta que só conseguiu sair com roupas e retirar o carro da garagem. Solismar vai à rua em que mora todos os dias para monitorar a altura da água. “Eu trabalho aqui pertinho. Eu venho de manhã e de tardezinha aqui olhar.” 

O zelador Solismar Vieira, de 66 anos, aponta para onde fica sua casa no bairro Floresta, em Porto Alegre - Rodney Costa/O TEMPO

“Eu deixei aquele saco ali, estava sequinho. Agora já está enchendo”, contou sobre a forma que tem usado para medir se a água continua subindo. “É ruim, né, ter que sair de casa. A gente não pode fazer nada. Não tem o que fazer, não adianta”, declarou o zelador, que está abrigado na casa da filha no bairro Sarandi, que não foi afetado. “Porque ali é morro, ela mora no morro”. 

A vida nos bairros não alagados 

Em outro lado da cidade, moradores de bairros que não sofreram com as enchentes tentam manter a rotina na mínima normalidade em meio ao caos. Comércios dos mais variados tipos estão abertos, como cafés, mercearias, floriculturas e bancas. Nas lojas de roupas, vitrines estampam coleções do inverno que se aproxima.  

“Dependendo dos dias, até tem um movimento que a gente não espera. Na terça-feira passada estava um dia de calor. Como as pessoas consomem muita bebida alcóolica, [o movimento] até estava considerado normal”, comentou Malena Severo, de 20 anos, que trabalha há um ano e meio como atendente em um bar que também funciona como restaurante no bairro Bom Fim. 

“Eu acho que a gente sentiu mais pelos nossos próprios colegas. Uns estão ilhados, outros perderam algumas coisas. Eu mesmo tive que sair de casa porque no bairro da minha casa tinha água. Graças a Deus eu não perdi nada”, acrescentou. 

Até quem tenta manter uma certa normalidade não se conforma com a situação. O agente penitenciário Ulisses Carboni, de 38 anos, é natural de Canoas, uma dos locais mais afetados, e mora em Porto Alegre há um ano e meio. Os pais dele ainda residem na cidade da região metropolitana e tiveram a casa alagada no bairro Harmonia. 

"Eles ficaram cerca de uma semana na casa de amigos lá e agora que a gente conseguiu trazer [eles] para cá, porque aqui não tinha nada também. Não tinha água, não tinha luz. E agora que tem, a gente conseguiu buscar eles lá”, relatou o morador do bairro Cidade Baixa. 

Quando abordado pela reportagem, ele se exercitava na Redenção, como é chamado o Parque Farroupilha, o mais tradicional da capital gaúcha. “[Correr] é uma tentativa de manter o mínimo de sanidade. Uma das preocupações de trazer eles [os pais] para cá foi justamente isso, de tentar dar uma respirada fora da enchente, porque...”, explicou, logo antes de ser interrompido pela própria emoção. 

O agente penitenciário Ulisses Carboni, de 38 anos, se emociona quando fala do resgate dos pais em Canoas e sobre a reconstrução - Rodney Costa/O TEMPO

“É que os próximos dias vão ser de bastante trabalho. Como não é uma questão pontual, está todo mundo na mesma”, quis justificar sobre o choro. “Agradecer todo mundo que está vindo ajudar a gente. A gente vai precisar bastante ainda, por bastante tempo. [...] Agora é torcer para que o sol dure, que baixe bastante a água e que a gente possa aos poucos voltar ao normal.”