A crise na cultura

30% dos cinemas em Minas vão fechar para sempre, calcula entidade

Espaços culturais de outros segmentos reclamam de prejuízos e demora de ação do poder público; Lei Aldir Blanc é esperança, mas sem previsão exata

Sex, 18/09/20 - 09h16

Há seis meses o venerável público não aparece nas plateias dos espaços culturais - resultado da pandemia de coronavírus. Não há espetáculo e não há dinheiro. O resultado é um aprofundamento da crise financeira já anteriormente sentida pelo segmento cultural. Todos sofrem, mas o fosso de quem paga aluguel é ainda mais fundo - caso de galerias de arte, companhias de teatro e casas de espetáculos. Só entre os cinemas, o cálculo é que 30% das salas de exibição em Minas Gerais nunca mais reabram.

Cada um tem rebolado do jeito que dá: renegociação de aluguéis, realização de cursos online, vaquinhas na internet para arrecadar fundos e adesão aos programas de suspensão de contrato de trabalho. Para outros, o único caminho possível foi entregar as chaves dos imóveis, como feito pelo Tambor Mineiro e pelo Grupo Oficcina Multimédia, que fecharam suas sedes em definitivo. Mas essa triste lista pode ter mais nomes.

Aos 50, Giramundo vive penúria

A situação do grupo Giramundo parece desesperadora. Ao menos na voz de Beatriz Apocalypse, a diretora que administra a sede, no bairro Floresta, onde 1.700 bonecos sabem que os aluguéis por ali têm atrasado na pandemia. Quando a reportagem entrou em contato por telefone, Beatriz havia acabado de cancelar o contrato com a empresa de vigilância. “Eu vou deixar os bonecos para cupim comer?”, questiona. Funcionários têm desistido do trabalho e mudado de cidade. “Está escorrendo entre os dedos”, desabafa. “Já cansei de receber telefonema e tirar foto com político dizendo que o Giramundo é patrimônio de Minas”, contesta. O grupo completa 50 anos em 2020.

No audiovisual a crise é tamanha que o sindicato da categoria estima que 30% das salas de cinema nunca mais façam nenhuma exibição em suas telas. Em nota, o presidente do Sindicato das Empresas Exibidoras de Minas Gerais (SEECINE), Lucio Otoni, informou que a queda no faturamento em virtude da paralisação das atividades é de 75%, se comparado com o mesmo período de 2019.

“A situação do cinema é terrível, e por enquanto não temos apoio do poder público”, informou o exibidor Ademar Oliveira, que administra o Cinema Belas Artes, o complexo no bairro de Lourdes, região Centro-Sul, reconhecido pela curadoria caprichada. 

À frente da Espaço Filmes, Oliveira gerencia cinemas em oito estados e tem acompanhado a reabertura das salas em outras cidades. O resultado, segundo ele, não é animador. “Em Manaus a taxa de ocupação foi de 8%, e os cinemas reabriram há um mês”, disse. Ele defende que o poder público financie entradas nos cinemas para a população em geral no pós-pandemia, de forma a gerar um refresco financeiro a esses estabelecimentos.

As companhias de visibilidade nacional, como os grupos Corpo e Galpão, parecem sentir menos a crise em comparação às companhias pequenas, já que ambos possuem sedes próprias e não pagam aluguel. Mas mesmo esses contabilizam perdas há tempos. Neste 2020, ano de celebração de 45 anos, o Grupo Corpo teve seu patrocínio da Petrobrás cancelado, após parceira de 20 anos. “Foi antes da pandemia, mas esse buraco nos abalou bastante”, revela Cláudia Ribeiro, diretora de programação.

Lei Aldir Blanc: esperança ainda em compasso de espera

Os artistas usam a criatividade financeira, mas fazer mágica com o dinheiro curto anda inviável. A criação da Lei Aldir Blanc, uma espécie de auxílio emergencial específico para a cultura, veio como esperança, mas ainda não surtiu efeito prático. Conforme inciso dois da lei, uma parte considerável dos recursos deverá ser destinada a custear despesas de aluguel, energia elétrica e água de estabelecimentos culturais. O mecanismo foi sancionado em 29 de junho e regulamentado em 18 de agosto pelo governo federal. Os repasses financeiros começaram a chegar aos cofres dos estados e municípios, mas no bolso dos agentes culturais ainda não apareceu nada. 

Integrante do Movimento de Espaços de Grupos de Teatro, Dança e Circo de Minas Gerais (Meta), o ator Leo Quintão é pessimista sobre a liberação da verba. “O dinheiro foi depositado para a prefeitura de BH em 11 de setembro, tem que ser gasto até 31 de dezembro, mas a lei nem foi regulamentada no município ainda”, diz. Para ele, o prazo é insuficiente e parte do dinheiro pode nem chegar ao destino final.

Por meio de nota, a Secretaria de Cultura da capital informou que aguarda o depósito de quase R$ 16 milhões para a efetivação dos benefícios. E que a regulamentação será realizada “nos próximos dias”, seguida de cadastro dos espaços culturais interessados. Não há previsão de reabertura de estabelecimentos culturais na cidade.

No Estado, a mesma coisa. Um cadastro dos interessados está em andamento, mas não há previsão de término. O governo estadual confirma que recebeu R$ 295 milhões da União. Desses, R$ 135 milhões serão geridos pela Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), enquanto outros R$ 160,2 milhões serão destinados aos municípios.

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