SUS

A fila deles é para tirar mamas

Homens transexuais enfrentam diversos desafios para fazer mastectomia e masculinização da vagina

Por Joana Suarez
Publicado em 29 de agosto de 2016 | 03:00
 
 
Expulsa de casa pelo pai, Maria espera, em dois anos, juntar dinheiro para fazer cirurgia na Tailândia. Foto: JOÃO GODINHO

Enquanto mulheres transexuais anseiam colocar próteses e retirar o órgão genital masculino para adequar o corpo à forma com a qual elas se reconhecem, os homens trans aguardam a retirada das mamas por ver nos seios uma característica feminina, incompatível com sua identificação. Eles também podem fazer a cirurgia de masculinização da vagina, mas as chances de conseguir esses procedimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são muito raras.

“Aos 7 anos, meu tio falava que eu não ia poder andar sem camisa, e eu tinha pânico de sutiã. Na puberdade, eu me assustava com aquilo (os seios) crescendo em mim mesmo eu não querendo”, conta Diogo Oliveira, 22, que usa uma faixa no peito desde que se passou a se identificar como homem, ao entrar na faculdade. Ele tenta retirar as mamas há mais de um ano, mas não encontra alternativas pela Rede SUS-BH.

“Somos incluídos na fila de quem tem câncer de mama, porque em BH não tem ambulatório transexual. Eu não tenho esperança, a saída é juntar dinheiro, fazer vaquinha, vender a mãe, o cachorro”, ironiza Oliveira. Na rede particular, sua operação ficaria em R$ 9.100. Ele começou há um ano o processo de hormonização com endocrinologista do plano de saúde privado. “Antes, eu não abria a boca para falar (porque tinha voz feminina)”, relata, ressaltando que, dos 53 médicos que procurou para fazer o tratamento, só um respondeu positivamente.

Desconhecimento. Para a endocrinologista Elaine Frade Costa, responsável pelo ambulatório de transexuais do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo, o que falta no país é um programa de capacitação dos hospitais e dos médicos interessados. “Muitos endócrinos, clínicos e cirurgiões têm receio de fazer porque imaginam que é algo muito diferente do que estão acostumados. Mas é um trabalho gratificante por adequar o corpo à identidade de gênero”, destaca. Segundo ela, mesmo com micropênis, as pessoas melhoram a qualidade de vida. Conforme o Ministério da Saúde, após a cirurgia, os pacientes devem ser acompanhados por um ano, mas o tratamento hormonal dura quase toda a vida.

O HC de São Paulo é o único que faz a masculinização da genitália por ser uma cirurgia complexa. Mas a unidade não está recebendo novos pacientes porque mais de cem pessoas aguardam para entrar no programa. Cirurgias já começaram a ser agendadas para 2021.

“São cirurgias capazes de dar à pessoa a conformidade física que cada um compreende como representativa do gênero ao qual se identifica.”
Suzana Livadias
Coordenadora do Espaço Trans do Hospital das Clínicas da universidade federal de Pernambuco

Me chamem de Lucas!

Os piores anos da vida de Lucas Alves, 21, nas palavras dele, foram aqueles em que tentou se adequar à condição feminina. Após se identificar como homem e passar a tomar hormônios masculinos, hoje ele comemora a primeira audiência para “retificação de seu nome de registro”, e espera que, assim, sua família o chame de Lucas. A mudança do nome nos documentos é uma forma de transexuais sofrerem menos preconceito em ambientes públicos. O ambulatório de Uberlândia conseguiu, em 2007, que o nome social fosse registrado no cartão do SUS, e muitos trans passaram a usar o cartão como documento de identidade.

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Resultado de cirurgia dá sensação de renascer

“Quando a pessoa nasce, é atribuído pelo médico, segundo a genitália, como sendo homem ou mulher. Mas essa pessoa só vai se entender como gênero no mundo depois e pode ter que recorrer à cirurgia de redesignação”, defende Keila Simpson, 51, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Rafaela Damasceno, 40, fez a cirurgia aos 28 anos. “Ficou perfeito, maravilhosa, funciona direitinho”, diz, sem esconder o passado e lembrando que, para a mulher que quer fazer a cirurgia, não importa se ela vai perder a sensibilidade ou o prazer: “Ela simplesmente quer tirar algo desconfortável. Lutem”. (JS)

Palestras

BDMG. Nesta terça-feira (30), o BDMG recebe debate sobre saúde, identidade e violência. Na quarta, o tema será trabalho e educação. Mais na página “Visibilidade Trans – BDMG Pró-Equidade”.