Iniciativa

A porta do conhecimento se abre para profissionais do sexo

Capital vai ganhar curso gratuito de pré-vestibular e EJA para pessoas que atuam na prostituição

Por Natália Oliveira
Publicado em 27 de maio de 2018 | 03:00
 
 
Paula trabalha como prostituta, mas quer estudar para se tornar juíza da Vara da Família Foto: Cristiane Mattos

“Eu queria mesmo era ser juíza da Vara da Família”. O sonho é da transexual Paula*, 26, que teve o sonho de cursar direito interrompido depois de ter sido presa. Paula, que trabalha como prostituta, conta que as portas profissionais se fecharam para ela quando as do presídio se abriram. Por isso, não conseguiu continuar a estudar e encontrou na prostituição uma forma de sobreviver. “Era cabeleireira, mas, depois de ser presa, não achei emprego e vim para a prostituição”, relata. Agora, dois anos após ter deixado a cadeia, ela está prestes a dar os primeiros passos para realizar seu sonho. Em junho, começa em Belo Horizonte o Curso Popular da Guaicurus, com aulas gratuitas de pré-vestibular e de Educação de Jovens e Adultos (EJA) para profissionais do sexo. 

O curso foi idealizado pela professora e ativista transexual Duda Salabert, 37, que, nesta semana, em uma pequena sala de um dos hotéis do centro de Belo Horizonte, apresentou o projeto para três garotos de programa e para duas prostitutas transexuais. Ao fim, a pergunta que fez a eles, sobre se teriam vontade de voltar a estudar, encontrou resposta em um uníssono “sim”. “A maioria tem a intenção de concluir os estudos e não consegue. A intenção do curso é devolver aos profissionais do sexo o acesso à educação”, afirma Duda. A professora ressalta que a ideia não é retirar as pessoas da prostituição, mas ajudá-las com a oferta de conteúdo. 

“Quem sabe agora consigo realizar meu sonho de ser cozinheiro ou chef de cozinha. A gente tem que sonhar grande, né?”, brinca o garoto de programa Bruno*, 32. Ele diz que fugiu de casa aos 14 anos, após ter sido espancado por um tio. Por isso, não completou o ensino fundamental: “A vontade de voltar a estudar sempre existiu, mas, sem condições financeiras, a gente acaba deixando isso de lado. Com esse curso agora, vamos ver se consigo”. 

A história dele se repete pelos quartos dos 26 hotéis para prostituição que há no centro de Belo Horizonte. Levantamento da Pastoral da Mulher mostra que existem cerca de 3.000 profissionais do sexo no hipercentro da capital. Sem apresentar números, a entidade informa que “a maioria das prostitutas tem apenas o ensino fundamental completo”. 

O projeto. A rua dos Guaicurus, na área central de BH, local que sempre foi conhecido pela prostituição, vai servir de sede para o curso, com as aulas sendo ministradas no prédio da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig). 

A turma deverá ter ao menos 20 alunos com vários níveis de escolaridade. “Como se trata de uma revisão do conteúdo na escola, conseguimos contemplar também quem não terminou os ensinos fundamental e médio”, explica Duda. Diárias, as aulas serão ministradas entre 16h30 e 19h30. 

O curso vai atender também ambulantes da região e funcionários dos hotéis de prostituição. Segundo Duda Salabert, por enquanto haverá só uma turma, e a ampliação do projeto vai depender da demanda.

* Nomes fictícios

Local. Para obter mais informações sobre o curso ou fazer as inscrições, os interessados podem procurar a sede da Aprosmig, na rua dos Guaicurus, 648, ou ligar no 3201.1799.

Histórico. Os profissionais do sexo já participaram de outros projetos de educação. Em 2013, um ano antes da Copa no Brasil, eles fizeram cursos de idiomas para ajudarem a receber os turistas durante o evento esportivo. 

Professores experientes apoiam

Os alunos do Curso Popular da Guaicurus vão contar com a dedicação de professores voluntários, que trabalham em renomadas instituições de ensino de Belo Horizonte e que vão reservar um tempo para ajudar os profissionais do sexo. 

“Quando escolhi ser professora, queria mudar a realidade social por meio da educação. Agora, terei essa oportunidade por meio do curso. Geralmente, levamos a educação aonde ela não chega”, afirma a professora de história Nathália Pimenta, 31, que dá aula em cursos pré-vestibulares da cidade como Soma e Mais. 

O professor de biologia Tiago Lima, 32, que já lecionou na Universidade de Itaúna, na região Central do Estado, e atua em vários projetos sociais, também vai contribuir com o curso da Guaicurus. “Na minha adolescência, fui beneficiado por aulas de projetos sociais e hoje me sinto no dever de retribuir”, relata Lima, para quem as aulas vão servir como forma de empoderamento dos alunos. 

Reforço. Além de ter criado o Curso Popular da Guaicurus, Duda Salabert será uma das professoras. Ela leciona literatura no Colégio Bernoulli, na capital mineira. 

A instituição, segundo levantamento realizado pelo IDados, instituto de análises estatísticas que acompanha o sistema de ensino brasileiro, foi a escola que obteve os melhores resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no país no ano passado.