Após carta dos pais

Alunos do Santo Agostinho defendem ensino de gênero e sexualidade

Carta aberta foi escrita por estudantes do 3º ano do ensino médio da instituição

Qui, 13/07/17 - 10h56

Após a carta assinada por centenas de pais de alunos do Colégio Santo Agostinho, que tem unidades em Belo Horizonte e na região metropolitana, contra o ensino de conteúdos relacionados a gênero e sexualidade na instituição, alunos do 3º ano do ensino médio escreveram uma carta aberta anunciando estarem espantados com a medida adotada pelos pais e se posicionando a favor da abordagem dos temas na escola.

No texto, os estudantes contam que procuraram todos os textos dos livros escolares que foram citados na carta dos pais. "Ao contrário do que nos parecia ao lermos a carta, o conteúdo dos textos citados (principalmente com relação ao livro didático) nada apresentavam além daquilo inclusive defendido pela Unesco: o debate sobre educação de gênero e sexualidade é, evidentemente, essencial para uma educação mais inclusiva e de qualidade", afirmam.

Os alunos citam ainda o texto "O Dia da Amante", de Luís Fernando Veríssimo, cujo conteúdo, para eles, seria de "uma abordagem muito complexa e densa para pré-adolescentes". Entretanto, eles ressaltaram que o conto em questão não foi selecionado para leitura pela professora, que escolheu apenas alguns contos para serem lidos pelos estudantes. "Até que ponto a escolha de um livro de contos, onde os textos que deveriam ser lidos foram selecionados, realmente torna-se uma afronta à autonomia parental na escolha dos ensinamentos fornecidos a seus filhos?", questionam.

Em seguida, a carta aberta dos estudantes do ensino médio chama de "pueris" e "sem crédito" as críticas feitas ao livro didático de Ciências da instituição, que trata sobre orientação sexual, sexualidade, identidade de gênero e sexo biológico, temas que, segundo eles, são tratados de forma coerente com a mentalidade do ensino fundamental e com textos que exaltam a tolerância.

"A discussão relacionada à sexualidade e à identidade de gênero é fundamental na desconstrução dos incontáveis tabus presentes na vida adolescente e, principalmente, na aceitação tanto própria quanto externa quando se tratando da homossexualidade, bissexualidade e transexualidade. A tentativa de impedimento das exposições acerca da realidade social baseada na discordância quanto à abordagem aproxima-se até mesmo da censura", conclui a carta.

Entenda a polêmica

No início do mês, 128 pais de alunos do Colégio Santo Agostinho produziram uma notificação extrajudicial exigindo que conteúdos relacionados a gênero e sexualidade sejam proibidos em sala de aula. O principal argumento dos tutores é de que a discussão de temas como homossexualidade, bissexualidade, transexualidade, contracepção, prostituição, masturbação e aborto – chamados coletivamente de ideologia de gênero no documento – podem trazer experiências “comprovadamente trágicas” aos 8.500 estudantes do colégio. O texto afirma ainda que questões de sexualidade têm sido recorrentes, principalmente em aulas de ciências e de ensino religioso.

O documento foi produzido no último dia 2 e entregue na manhã da segunda-feira (10) à Sociedade Inteligência e Coração (SIC), que é mantenedora das três unidades do Colégio Santo Agostinho, em Belo Horizonte, Contagem e Nova Lima. A notificação foi direcionada ao presidente da entidade, frei Pablo Gabriel Lopes Blanco, e aos três diretores: Clóvis Oliveira (unidade BH), Aleluia Heringer Lisboa Teixeira (Contagem) e Lorena Macedo (Nova Lima).

Em nota, o Colégio Santo Agostinho informou que, em abril e maio deste ano, recebeu duas cartas de teor semelhante à referida notificação extrajudicial. Na avaliação da escola, a conversa está aberta. “Cada pai ou mãe, sempre que se sentir em dúvida sobre o fazer pedagógico, encontrará acolhimento e abertura para o diálogo franco e aberto ”, disse.

Leia a carta dos alunos na íntegra

"Belo Horizonte, 12 de julho de 2017

Carta aberta dos alunos Agostinianos em resposta aos senhores pais redatores e signatários da carta crítica ao ensino do Colégio Santo Agostinho

Não somos capazes de mensurar nosso espanto ao ler, há algum tempo, a carta aberta extrajudicial – posteriormente transformada em um “abaixo assinado” – redigida com o objetivo de criticar os ensinamentos do Colégio Santo Agostinho.

Há alguns dias, tomamos conhecimento desse documento, que apresentava críticas ao ensino de assuntos relativos à sexualidade, à ideologia de gênero e à igualdade de gênero. Pouco depois, buscamos tomar conhecimento dos textos aludidos na carta, de forma que averiguamos o livro de Ciências do 6º ano e o livro de contos “As mentiras que os homens contam”, de Luís Fernando Veríssimo. Ao contrário do que nos parecia ao lermos a carta, o conteúdo dos textos citados (principalmente com relação ao livro didático) nada apresentavam além daquilo inclusive defendido pela Unesco: o debate sobre educação de gênero e sexualidade é, evidentemente, essencial para uma educação mais inclusiva e de qualidade.

No que tange ao conto “O Dia da Amante”, de Luís Fernando Veríssimo, fez-se parcialmente compreensível o sentimento de indignação apresentado por pais de alunos da Instituição, já que esse texto apresenta uma abordagem muito complexa e densa para pré-adolescentes. É importante, por outro lado, ressaltar que o conto em questão não havia sido selecionado para leitura pela professora que requisitou a aquisição do livro. Diante dessa perspectiva, surge a seguinte questão: até que ponto a escolha de um livro de contos, onde os textos que deveriam ser lidos foram selecionados, realmente torna-se uma afronta à autonomia parental na escolha dos ensinamentos fornecidos a seus filhos?

Em relação ao livro de Ciências, as críticas dos senhores pais são pueris e não merecem qualquer crédito. Nesse livro didático, a orientação sexual, a sexualidade, a identidade de gênero e o sexo biológico são abordados de maneira inteiramente coerente com a mentalidade de um aluno do Ensino Fundamental II, a partir de textos que exaltam a tolerância e a diversidade. O ensino ao respeito às diferenças é um dos principais pilares que regem a educação tanto Agostiniana quanto de inúmeros colégios que seguem a doutrina católica, tendo em vista a importância da família e da escola para a formação moral do aluno.

Frente aos questionamentos feitos pelos pais, portanto, nós, alunos do Colégio Santo Agostinho de Belo Horizonte concluímos que a discussão relacionada à sexualidade e à identidade de gênero é fundamental na desconstrução dos incontáveis tabus presentes na vida adolescente e, principalmente, na aceitação tanto própria quanto externa quando se tratando da homossexualidade, bissexualidade e transexualidade. A tentativa de impedimento das exposições acerca da realidade social baseada na discordância quanto à abordagem aproxima-se até mesmo da censura.

Além disso, fica nosso apoio e agradecimento a todos aqueles professores do Colégio Santo Agostinho que, preocupados com a formação de nosso caráter além de nosso intelecto, nos possibilitou cruciais reflexões responsáveis por nosso crescimento e amadurecimento como seres humanos altruístas.

Aos pais, fica a reflexão: com o que os senhores estão realmente preocupados? Com a vontade de manter seus filhos isolados de tudo aquilo que diverge do que lhes foi ensinado ou com o fornecimento de ensinamentos extremamente relacionados à convivência em comunidade e respeito ao diferente?

Com o tempo, vocês descobrirão, como nós, que o Colégio Santo Agostinho e seu corpo docente sempre estarão disponíveis para ajudar todos os que a eles recorrerem em busca de evolução pessoal.

Alunos da Terceira Série do Ensino Médio do Colégio Santo Agostinho- Unidade Belo Horizonte"

 

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