Os artistas urbanos investigados pela Polícia Civil de Minas Gerais por terem participado de um grafite no centro de Belo Horizonte foram convidados a participar de um evento cultural em São Paulo que contesta a censura artística. O convite, realizado pela Secretaria de Cultura daquele município, aconteceu após o inquérito policial contra a expressão artística ganhar repercussão nacional nas últimas semanas. 

A obra de arte instalada no prédio da capital mineira foi realizada pelo Circuito Urbano de Arte (Cura). O coletivo artístico também foi convidado a integrar o evento paulista, intitulado Verão Sem Censura, que deve acontecer em março. As informações foram divulgadas pela organização do Cura.

Entenda o caso

O grafite intitulado “Deus é Mãe”, assinado por Robinho Santana, teve colaboração dos artistas Poter, Lmb, Bani, Tek e Zoto. A intervenção foi realizada na fachada do edifício Itamaraty, próximo à igreja de São José, no centro de Belo Horizonte. Por conter estética que remete à pichação, o Departamento Estadual de Investigações de Crimes contra o Meio Ambiente decidiu intimar as coordenadoras do Cura a prestar depoimento. A investigação envolve suspeita de crime contra o patrimônio. Até as empresas patrocinadoras da ação cultural foram convocadas.

A Polícia Civil informou que as investigações encontram-se em segredo de Justiça. Por meio de nota, a corporação explicou que existe a suspeita de que algumas das pichações existentes no prédio sejam de associações criminosas já investigadas e que foram realizadas clandestinamente no local. “Ressalta-se que a Polícia Civil, como defensora dos direitos constitucionais, não coaduna com quaisquer práticas discriminatórias”, finalizou o comunicado.

A controvérsia também acontece porque a investigação, que agora envolve o Cura, já existia. O prédio que recebeu a obra de arte já exibia pichações, e por isso foi alvo do inquérito bem antes da obra de arte ser criada. Como o Cura fez intervenção artística sobre o pixo, a polícia decidiu incluir o coletivo de arte urbana nas investigações.

O festival Verão Sem Censura, que irá receber os artistas mineiros, estreou ano passado e reúne artistas que foram vítimas de ataques ou tiveram seus trabalhos censurados.

Ato em apoio foi realizado nesta manhã

Um ato simbólico em apoio ao grafite alvo do inquérito policial foi realizado na manhã deste sábado (13) no centro da capital mineira. Organizada pelo coletivo Mobiliza Vermelho, a ação contou com a presença de representante do Cura. A vereadora Macaé Evaristo (PT) também participou. 

Assim como a organização do evento cultural, os participantes do protesto acreditam que as obras de arte questionadas são vítimas de preconceito racial, já que o grafite “Deus é Mãe” exibe a figura de uma mulher negra. Outras obras com figuras negras não receberam a mesma reprovação, e nem outros grafites que usam a estética de pichação, segundo as realizadoras. “Foram contestadas obras de artistas negros e que tem negros representados. Isso não é coincidência”, defende Janaína Macruz, uma das coordenadoras do Cura.

Organizador de carreatas recentes que pregaram a defesa do SUS, o Mobiliza Vermelho chamou o manifesto de hoje com o intuito de chamar atenção para a questão. “Resolvemos abrir o Carnaval em defesa da arte”, explicou Ricardo Oliveira, um dos integrantes. Segundo ele, a cidade vivencia um histórico de intervenções contra os negros de periferia. “São vários preconceitos velados e acumulados”, observou.

A ação contou com pouca adesão. Alguns manifestantes exibiam cartazes com frases em defesa da liberdade artística, entre outras pautas. A vereadora Macaé Evaristo lamentou que a arte negra, segundo ela, ainda seja vista como espécie de crime por algumas pessoas. A parlamentar informou que o tema será abordado pela comissão especial aprovada na Câmara de Vereadores para tratar da empregabilidade, homicídio e violência contra jovens negros.

Para Janaína, a investigação em curso pode até comprometer a realização da próxima edição do Cura, marcada para o segundo semestre deste ano. “O Ministério Público vai emitir um parecer sobre isso (a investigação policial). Já pedimos o encerramento do inquérito”, disse.