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Boteco em aglomerado vira point de clientes da zona Sul 

Em meio a barracões sem acabamento, bar Zé Pretinho tem câmeras, jardim de azaleias e espumante

Por RAFAEL ROCHA
Publicado em 02 de agosto de 2015 | 03:00
 
 
Clientela. A empresária Maraísa Neves (primeira à esq.) e seus amigos ‘batem cartão’ no bar FERNANDA CARVALHO / O TEMPO

Um grupo de madames estaciona um carrão esportivo automático na porta de um bar. Senta-se à mesa e passa a tarde toda de um sábado ensolarado bebendo espumante. Perto do deck com um jardim de azaleias projetado por um paisagista, elas rememoram “idinhas” a Paris e Londres.

Elas não estavam no Lourdes nem no Belvedere, bairros da região Centro-Sul da capital mais afeitos à clientela chique. Rodeavam as amigas barracos sem pintura e rapazes empinando pipas nas lajes: o grupo estava no aglomerado da Serra, também na zona Sul de Belo Horizonte.

A cena aconteceu semanas atrás e se repete com frequência no bar Zé Pretinho. Aberto há um ano e meio, o lugar tem virado point de happy hour de bacanas, descolados e curiosos de plantão. “Já viajei o mundo todo e nunca me senti tão à vontade num lugar”, teria confessado uma das senhoras fãs de espumante ao dono do estabelecimento.

Típico boa-praça, José Carlos Cardoso, o Zé Pretinho, é quem encabeça o boteco. Depois de 35 anos de serviços prestados como garçom em bares que fizeram fama na região Centro-Sul – entre eles Almanaque, Complexo B, Balaio de Gato e Estabelecimento –, acabou virando amigo de seus clientes.

Ele conta com vaidade a madrugada em que recebeu em sua casa o ator Matheus Nachtergaele para comer pão de queijo com pernil, levado pelo cineasta Cao Guimarães.

Essa clientela fiel é que tem batido cartão no bar e feito o boca a boca a favor do local. A turma de amigos da empresária Maraísa Neves, 55, ajuda a engrossar esse coro. “Um amigo nos chamou para conhecermos um bar na favela. Quando viemos, demos de cara com o Zé, que sempre nos atendeu em outros bares. Virou nosso ponto de encontro”, diz.

Em família. Para dar conta do público, Zé comanda uma equipe formada por sete pessoas de sua família. Todas deixaram seus empregos para a nova empreitada. A filha saiu do cinema do shopping, o irmão deixou o táxi, e o cunhado, o lava a jato. “Reunir minha família foi o mais importante”, diz.

Aprovado. Se a vizinhança não vai, o que não falta é gente para consumir o cardápio dali. A farmacêutica Tânia Azevedo Anacleto, 44, é uma delas. “Tenho amigos de alto padrão que vieram, gostaram e voltaram”, diz. Cliente de restaurantes caros em Lourdes, ela levou sua amiga de Brasília para conhecer o local. “Achei linda a visão, por incrível que pareça. É um bar cult, que ajuda a quebrar preconceitos e tem interação entre os clientes e moradores”, relatou a farmacêutica Emília Vitória da Silva. Questionada sobre qual interação seria essa, ela não soube responder.

Outras opções

Baladas em BH com o mesmo perfil do Zé Pretinho: Baile da Saudade:
0fundado em 1983, firmou-se em Venda Nova até o ano passado. Desde então, acontece em casas da região Centro-Sul.

Espaço Even: situado no bairro Jardinópolis, na região Oeste, recebeu vários shows e eventos até o ano passado. Passa por adequações e será reaberto nos próximos meses.

Quadra da Escola de Samba Cidade Jardim: com vista privilegiada da zona Sul, recebe festas e baladas disputadas.

Convivência gera atrito com vizinhos 

O sorriso largo de Zé Pretinho, o dono do bar, contrasta com a ira de Alexandrina Ferreira, 33, a manicure que mora sobre o imóvel onde funciona o estabelecimento.

Segundo ela, a algazarra promovida por clientes, que bebem além do limite e avançam madrugada adentro, a impede de dormir com a filha, de 7 anos. “Isso já deu briga aqui. Ele só faz isso porque está na favela. Ele prefere agradar a cliente e não tá nem aí pros vizinhos”, reclama a moradora. O fluxo intenso de carros ocupando as vagas na rua também é motivo de incômodo.

A opinião, no entanto, está longe de ser unânime. Vários moradores da rua aprovam o funcionamento do boteco. O segurança Walter Júnior, 32, diz que quase nunca vai ao bar, mas que a abertura foi uma boa novidade na região. Para a dona de casa Antônia de Fátima, 59, trazer “gente de classe alta” é o maior benefício. “Quem reclama é por implicância e porque não tem condição de progredir. É vizinho invejoso”.

Em sua defesa, Zé relata os motivos que inibem os vizinhos de frequentarem o bar. “Eu queria um bar entre a favela e o asfalto, mas pobre não ajuda pobre, e fiado eu não faço. Fiado só existe na roça”. 


Serviço

Local. Zé Pretinho Bar e Restaurante está na rua Gravataí, 260, no aglomerado da Serra. Funcionamento: segunda de 11h30 às 15h; terça a sexta de 11h30 às 15h e 18h à 1h, no sábado de 12h30 à 1h, e no domingo de 12h30 às 20h.