A psicóloga Ivanilda José Basílio Felisberto, 59, acordou cedo, se despediu da mãe, de 92 anos, que morava com ela no bairro Salgado Filho, na região Oeste de BH, e partiu para mais um dia de trabalho. Eram 10h30 quando ela terminou a aula particular que foi dar a um aluno no bairro Santo Antônio, na região Centro-Sul. Ela se ajeitava no banco do carro para ligar o veículo, quando foi atropelada por um caminhão desgovernado. Ivanilda foi retirada das ferragens quatro horas mais tarde, sem vida. Ela deixou, além da mãe, um filho, de 30 anos, e um neto, de 7.

O caminhão estava parado na rua Professor Aníbal de Matos – local onde há sinalização de circulação proibida para veículos de carga –, de onde seria retirada uma caçamba de entulho. Porém, a parte dianteira do caminhão perdeu aderência com o solo e desceu a ribanceira. Levou árvores, pedaços da calçada, lixeiras, o carro de Ivanilda e outro veículo, vazio no momento do choque.

No início da tarde, quando o filho dela, Breno Nascimento, 30, chegou ao local onde a mãe tinha perdido a vida, a emoção tomou conta de quem estava na rua. Desorientado, ele tentava se fortalecer repetindo para si mesmo, como um mantra, a lição que aprendeu com a própria mãe, quando o irmão dele se matou: “Não cai uma folha de uma árvore sem a permissão de Deus. Ele tem seus propósitos”.

Foi esse pensamento que ajudou a família a se reerguer após a morte de Arthur Basílio, aos 16 anos, em abril de 2014. Ivanilda nunca mais se recuperou da perda do caçula para a depressão, doença que ela conhecia muito bem em função dos anos em que atuou como psicóloga em um consultório. E, até ontem, ainda tomava antidepressivos para levar a vida.

“Minha mãe era incrível. Devo absolutamente tudo o que eu sou a ela, que me deu todo o suporte para que eu pudesse formar em medicina no ano passado”, conta o filho. Ele escolheu trabalhar em um posto de saúde em Brumadinho, onde pudesse atender vítimas do rompimento da barragem da Vale.

A psicóloga sustentava a casa havia 18 anos, desde que se separou do marido. Breno Nascimento ressaltou que sempre foi orientado pela mãe a respeitar as leis e lamentou que Ivanilda tenha sido vítima do desrespeito a uma delas. (Com Raquel Penaforte)

Condutor e empresa. O motorista do caminhão não estava alcoolizado, conforme o bafômetro. Estão em dia os documentos dele e do veículo. A empresa de caçambas não quis se pronunciar.

"Eu nasci de novo mesmo"

O mecânico de ar-condicionado Marcos Aurélio Braga nasceu em 19 de fevereiro de 1975, mas agora tem uma segunda data a celebrar: 19 de agosto de 2019, dia em que por segundos não foi vítima do caminhão que desceu desgovernado uma rua no bairro Santo Antônio, em BH. “Estava no carro quando vi, pelo retrovisor, o caminhão descendo sem freio. Só deu tempo de abrir a porta e correr para o outro lado da rua. Nasci de novo mesmo”, recorda.

Emocionado, com um terço na mão e um trabalho escolar do caçula, de 8 anos, na outra, ele tem certeza de que foi abençoado. “Deus me ajudou”, disse ele, que tem outro filho, de 17.
Braga tinha ido ao local consertar um aparelho e viu a psicóloga Ivanilda Felisberto saindo de um prédio e entrando no carro que foi esmagado – ela morreu na hora. “Nem deu tempo de avisar a ela”, lamentou.