Espera por mais de 20 horas, falta de atendimento, falta de lugar para colocar pacientes: esse é o cenário nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Belo Horizonte, que escancara um sistema de saúde sobrecarregado em um dos piores momentos desde o início da pandemia de coronavírus no Estado. Nesta quinta-feira (18), a reportagem de O TEMPO percorreu algumas das unidades, e a sensação dos pacientes e acompanhantes, na maioria das vezes, foi a mesma: o sentimento de impotência.
O auxiliar de produção Yago Richard Carvalho da Silva, de 21 anos, deu entrada na UPA do Barreiro nessa quarta-feira (17), por volta das 14h30, com diarreia, dores nas costas, dores fortes na cabeça e febre.
"Até na hora de fazer a ficha foi tudo bem, mas aí me falaram que o atendimento seria por volta de meia-noite, mas não aconteceu e eu estou aqui até agora, quase 24 horas esperando", explicou.
Segundo ele, a justificativa dentro da unidade é que pacientes com a pulseira vermelha, com mais urgência, são atendidos de forma prioritária. Yago estava com a pulseira verde. Fraco, sem ter o que comer ou beber, ele aguardava a mãe chegar com algum lanche.
"A gente entende as prioridades, mas, se for parar para pensar, eles nunca vão atender quem está aqui fora. Os médicos estão esgotados, as pessoas brigam por atendimento aqui", afirmou.
O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel), Israel Arimar de Moura, confirma que há lotação nas unidades. "A situação está grave, em alguns momentos, as UPAs estão completamente ocupadas, com pacientes entubados sem conseguir transferência para outro hospital. E também tem um outro problema que é a falta de profissionais de saúde, a prefeitura está com dificuldade para contratar profissionais de saúde. Médicos e outros profissionais estão cansados e estressados, estão terminando os contratos e não querem renovar com a prefeitura. Em alguns casos, as equipes estão defasadas", explicou o presidente.
Na porta da mesma UPA, a costureira Luciene de Oliveira Magalhães Rodrigues, 40 anos anos, estendeu uma coberta para que o marido, de 45, pudesse deitar no chão. Sem lugar para colocá-lo dentro da unidade do Barreiro foi a forma que ela encontrou até que o companheiro fosse atendido por um médico.
"A segunda vez que eu venho com ele em menos de uma semana. Da primeira, demorou muito e ele não aguentou esperar. Ele tem todos os sintomas de Covid: diarreia, febre, fraqueza. Hoje, já estamos aqui há sete horas, ele passou pela triagem e disseram que precisa aguardar. Não tem como colocar ele na maca lá dentro, pedi para que ele passasse por uma reavaliação, mas não adiantou. Ele teve que deitar no chão e, quando chegar em casa, vai ter que jogar a roupa fora. Está muito difícil, muitas pessoas desistem de vir por causa da demora", desabafou.
No último sábado (13), a costureira Josiane Carla Rodrigues Paixão, 35, também acompanhou o marido, de 47 anos, à UPA Barreiro. Ficaram 15 horas no local e, mesmo com sintomas de Covid, ele foi liberado sem medicamento, segundo ela.
"Paguei e ele fez o teste na farmácia, que deu positivo. A farmacêutica mandou eu voltar com ele para UPA, a saturação estava baixa e ele internou. Agora estamos aguardando vaga para um hospital. No sábado, eles não fizeram o teste nele, os médicos só fazem o teste de Covid quando interna, antes disso ninguém quer saber. Na segunda-feira, as enfermeiras estavam tão sobrecarregadas que começaram a gritar que não tinha oxigênio, não tinha vaga". contou.
Teste positivo, mas sem contato com o médico
Hoje, o carpinteiro Cristiano Quirino Caldeira, de 38 anos, foi à UPA do Hospital Odilon Behrens, na região Noroeste da capital, pela segunda vez. No início da semana, também com sintomas de Covid, ele passou pelo médico, e o profissional disse que era pneumonia. Cristiano pagou R$ 280 em um teste particular que deu positivo para doença. Ao retornar nesta quinta, não foi atendido pelo médico para mostrar o exame.
"Fui lá na triagem e mais nada. Disseram que o que dava para fazer já foi feito, e o tratamento para o Corona é esse da receita que me passaram antes. Simplesmente mandou eu voltar para casa, quando ando fica cansado. Estou indo embora esperar o remédio fazer resultado, esperar se eu vou viver em casa ou não", desabafou.
Medo e desistência
Na UPA Venda Nova, segundo os pacientes e acompanhantes, dos quatro médicos da unidade, apenas dois estavam atendendo. Um dos médicos que não foi trabalhar estaria com Covid-19. Com previsão de mais de oito horas para receber atendimento, alguns pensavam em desistir.
"Eu cheguei aqui às 05h30 com muita náusea e dor de cabeça. Na triagem me falaram que não era caso de urgência e disseram que eu precisava esperar porque tem médico com Covid e só dois estão atendendo.Lá dentro está muito cheio e eu estou até preocupada. Ou eles me atendem ou vou embora e amanhã passo no posto. Não estou querendo ficar aqui, é perigoso ficar esperando, pegar alguma coisa (doença) e ir embora pior", afirmou a cuidadora de idosos Tacyana Thalita Bragança da Silva, de 40 anos.
Posição
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que a atual situação da pandemia de coronavírus é gravíssima e o número de infectados vem aumentando e, consequentemente, a procura por atendimento médico também. Por isso, o Executivo têm aumentado a quantidade de leitos disponíveis e contratado profissionais capacitados.
Leia na íntegra:
"A Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informa que Belo Horizonte, assim como todo o país, se encontra em uma situação grave em relação a pandemia da Covid-19. Os três indicadores assistenciais e epidemiológicos da doença - ocupações de leitos de UTI e enfermaria Covid e índice de transmissão - estão no nível máximo de alerta, em vermelho. Tanto que na última sexta-feira, dia 12, foram anunciadas novas medidas de restrições na cidade, com o objetivo de conter o avanço da pandemia e manter os serviços de saúde em capacidade de assistência à população.
As nove UPAs da capital têm apresentado aumento significativo na procura por atendimento. A secretaria trabalha de forma ininterrupta para que todos os pacientes sejam atendidos. Em fevereiro foram realizados, em média, 5 mil atendimentos em cada uma das nove Unidades de Pronto-Atendimento da capital. Cada UPA conta com equipe de médicos das seguintes especialidades: clínica, cirurgia, ortopedia e pediatria. A Secretaria Municipal de Saúde monitora o volume de atendimento e, de acordo com a necessidade, pode fazer reforços pontuais.
Nos últimos dias, a Secretaria Municipal de Saúde ampliou, de seis para 12, o número de leitos de terapia semi-intensiva na UPA Centro-Sul; e também dobrou os leitos da sala de urgência da UPA Nordeste, de quatro para oito, onde os pacientes são atendidos e aguardam encaminhamento para internação em leito hospitalar.
Os estoques de oxigênio estão abastecidos nas nove UPAs e demais equipamentos da Rede SUS-BH que fazem atendimento a usuários com suspeita ou confirmação da doença. O monitoramento do suprimento de oxigênio é realizado diariamente.
Com relação aos critérios adotados para a testagem, segue a nota técnica: https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/saude/2021/nota-tecnica-covid-19-n033_2020-atualiz-01032021.pdf. A Prefeitura reforça que as medidas de prevenção devem ser mantidas pela população, com uso da máscara, higienização das mãos e distanciamento social.
O cenário assistencial é avaliado diariamente para definir a necessidade de abertura de novos serviços específicos de atendimento aos casos suspeitos de Covid-19. Atualmente, os dois hospitais de gestão municipal - Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro (HMDCC) e Hospital Metropolitano Odilon Behrens (HMOB) - estão com processo seletivo aberto, para contratação de profissionais. Saiba mais no link: https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/hospitais-da-prefeitura-abrem-vagas-para-profissionais-da-saude. Além das vagas em aberto nos dois hospitais municipais, a Secretaria Municipal de Saúde tem atualmente 104 vagas disponíveis para reposição e incremento nas diversas unidades de saúde da PBH.
As contratações de profissionais de saúde ocorrem diariamente e o processo seletivo se dá com base nos cadastros realizados no banco de currículos eletrônico da Prefeitura de Belo Horizonte disponível no link: https://prefeitura.pbh.gov.br/saude/informacoes/gestao-de-pessoas/banco-de-curriculos.
A Prefeitura esclarece ainda que mantém diálogo constante com o sindicato."