Negócios de família

Comércio nasceu no Curral del Rey para atender tropeiros que passavam pelo local

Parte dos empreendimentos criados no passado já estão na quarta geração

Sáb, 11/12/21 - 05h00
A rede de drogarias Araujo teve a primeira loja inaugurada em 1913 | Foto: Juliano Arantes/Divulgação

Antes da chegada da Comissão Construtora de Belo Horizonte, a região do Curral del Rey era, além de um povoado, um lugar de passagem. “Era uma rota importante para os tropeiros que vinham do Rio de Janeiro, por exemplo. Por isso, boa parte da atividade econômica era voltada para o abastecimento dessa atividade. Os alimentos eram plantados localmente e havia um comércio de feijão, queijos e cana-de-açúcar”, explica Luana Gontijo, uma das responsáveis pelo atendimento ao público no Museu Abílio Barreto. 

Depois da inauguração da cidade, a demanda cresceu e se diversificou, com a abertura de negócios capazes de atender os moradores da nova capital. Para ganhar a confiança dos clientes, a estratégia dos lojistas era associar os próprios nomes aos negócios. Segundo o livro “Belo Horizonte e o Comércio: 100 Anos de História”, da Fundação João Pinheiro e da Federação do Comércio do Estado de Minas Gerais (Fecomércio), eram comuns nos jornais da época anúncios que diziam “A ‘Bello Horizonte’, de Marques e Carvalho: mantimentos e roupas feitas”; “Ao Sem Rival, de João Batista Palermo (rua Curitiba): molhados e gêneros do País, cimento, cal” ou “A ‘Constructora’, de Arthur Haas e Cia.: ferragens, ferramentas para todos os ofícios e materiais para empreiteiros”.

Muitos desses negócios prosperaram, e alguns nomes entraram para a história como pessoas que ajudaram no desenvolvimento econômico da capital. “Artur Haas, empreendedor com representação da Chevrolet. Arcângelo Maletta, que em 1918 comprou o Grande Hotel e fez uma reforma no local, que passou a hospedar autoridades que visitavam BH”, destaca o jornalista e pesquisador da história de Belo Horizonte, Luís Góes. 

Outros desses nomes ainda estão por aí até hoje, 124 anos depois da inauguração oficial da cidade, estampando fachadas de lojas. “Meu avô, lá em 1933, criou o primeiro plantão 24 horas de Belo Horizonte. Ele dormia no fundo da loja e instalou uma campainha na sua cama para acordá-lo quando o cliente precisasse. O Drogatel foi o primeiro televendas do país, lançado em 1963. Já estávamos na segunda geração à frente da empresa nessa época”, conta o atual presidente da Drogaria Araujo, Modesto Araujo. A primeira unidade da empresa é de 1913.

A Lalka, fábrica de chocolates e doces que também são reconhecidos por qualquer morador de Belo Horizonte, é outro negócio de terceira geração. A casa foi inaugurada no bairro Floresta em 1925, pelos avós de Roberto Grochowski, hoje o sócio-proprietário. “Sempre foi uma pessoa só comandando. A princípio meu avô, depois o meu pai. Aí, quando abre o leque para os filhos, sempre começam os problemas familiares entre os irmãos”, ressalta o empresário. 

Esse tipo de desafio, de fato, costuma ser um dos principais problemas das empresas que são passadas de geração em geração. Segundo o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae Minas), um dos desafios está em conciliar as visões de negócios de pessoas que pertencem a épocas distintas, com valores diferentes. Um estudo da consultora PwC, realizado em 35 países, aponta que apenas 36% dos negócios sobrevivem à passagem para a segunda geração; 19% chegam à terceira; 7%, à quarta; e somente 5%, à quinta. No Brasil, os números são ainda mais desanimadores: só 5% das empresas familiares têm chegado à terceira geração. 

É por isso que essas empresas centenárias de Belo Horizonte chamam tanto a atenção. A Casa Salles, loja mais antiga da cidade, já está na quinta geração. “O negócio evoluiu muito junto com a cidade. Nós vivemos muito o centro da cidade. Quando o centro era pujante e feliz, a Casa Salles era uma loja que vendia muito mais coisas, mais eclética. Hoje, com o centro diferente, a gente tem uma variedade menor de mercadorias. Nós oscilamos junto com a cidade”, conta o administrador da loja, Guilherme Salles.

Pandemia foi desafio até para quem passou por duas guerras

A pandemia, que forçou o fechamento de muitas empresas no mundo, foi um desafio também para os negócios centenários da capital. “Foi muito difícil porque foi a primeira vez que eu passei por uma coisa desse tipo. Mas a Casa Salles já sobreviveu a duas guerras e a algumas revoluções nacionais, além de todos os governos do Brasil. Nós sabemos nos preparar e viver esses momentos, e aprendemos com a nossa história.”, diz Guilherme Salles. 

No caso da Lalka, a principal dificuldade foi a adaptação para um mercado sem o contato físico com os clientes. “A princípio, foi assustador. Nós vimos nossas vendas e receitas caírem muito. Ficamos completamente fechados por 17 dias, tentando vender só por telefone”, lembra Roberto Grochowski. Por sorte, segundo ele, a clientela fiel aos bombons de licor e balas de maçã aceitou buscar os pedidos na loja ou receber entregas em casa. 

“Passamos com dificuldade nesse período, mas passamos”, comemora. Agora, a ideia da empresa é investir mais nas plataformas digitais. 

A internet também representa o futuro da Casa Salles. “A pandemia nos ensinou muita coisa. Uma delas foi o mundo online, já que agora aprendemos a trabalhar com o WhatsApp e a internet. Eu acho que a Casa Salles vai passar da fronteira de Belo Horizonte. A gente está estudando abrir outra loja física e uma loja online”, conta Salles. 

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.