Após exames preliminares confirmarem a presença de dietilenoglicol – substância química altamente tóxica para o ser humano – em duas amostras da cerveja Belorizontina, a Polícia Civil abriu inquérito para apurar a relação entre a bebida e o adoecimento de ao menos oito homens que foram hospitalizadas após consumirem o produto comprado no bairro Buritis, na região Oeste da capital.
Nesta quinta-feira (9), investigadores estiveram na fábrica da Cervejaria Backer, responsável pela produção da Belorizontina, e colheram novos materiais para análise.
Há indícios de crime, segundo o superintendente de Polícia Técnico-Científica, Thales Bittencour, mas ele disse que ainda não há elementos suficientes para responsabilizar a empresa pela possível intoxicação de consumidores. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) também acompanha o caso.
A bebida foi colhida para análise da Polícia Civil após os primeiros casos da síndrome nefroneural – nome dado a doença misteriosa que provoca insuficiência renal aguda e alterações neurológicas – serem notificados à Secretaria de Estado de Saúde (SES).
Desde 30 de dezembro, ao menos nove relatos chegaram ao conhecimento do governo, sendo que um deles foi descartado pelo fato de o paciente já sofrer de doença renal prévia. Até então, o único elo entre as vítimas é o fato de que todas ingeriram a mesma marca de cerveja.
O laudo da Polícia Civil divulgado nesta quinta-feira (9) aponta que as amostras contaminadas com dietilenoglicol pertencem aos lotes L1 1348 e L2 1348 da Belorizontina. Cada lote, segundo Backer, tem 33 mil unidades da cerveja. Ainda segundo o laudo, as garrafas periciadas estavam “lacradas” pela Vigilância Sanitária de BH. Segundo Bittencour, ainda não se sabe como a substância foi parar na bebida. O órgão ressalta, contudo, que demais análises continuam em andamento.
Riscos. O promotor de Justiça e coordenador do Procon-MG, Amauri Artimos da Matta, disse que o Ministério Público decidiu acompanhar as investigações diante da possibilidade de a cerveja representar risco à saúde da população. “Essa situação é grave. Os consumidores estão expostos a riscos. Aqueles que têm cervejas desses lotes em suas residências não devem consumi-las, e, se possível, devem disponibiliza-las às autoridades”, orientou.
Em nota, a Backer negou que o dietilenoglicol faça parte do processo produtivo da cerveja Belorizontina. Ainda segundo a empresa, “por precaução, os lotes L1 1348 e L2 1348 serão retirados imediatamente de circulação, caso ainda haja algum remanescente no mercado”. A empresa afirmou que “continua à disposição das autoridades para contribuir com a investigação”.
Força-tarefa
Estratégias. Autoridades da Saúde ainda lutam para reverter os sintomas nos pacientes. Sem informações precisas sobre a enfermidade, uma força-tarefa formada por órgãos municipais, estaduais e federais se reuniu na quarta-feira (8) para traçar estratégias que possam ajudar a solucionar o mistério médico.
Produto é usado no processo de fabricação
O dietilenoglicol é uma substância anticongelante, usada principalmente no processo de resfriamento das cervejas, segundo o mestre cervejeiro Marco Falcone. No entanto, segundo ele, é pouco provável que tenha acontecido alguma contaminação, uma vez que a substância não entra em contato direto com o líquido durante o processo de fabricação.
“O processo da fabricação da cerveja é todo fechado. A Backer é uma empresa consciente e responsável, dificilmente haveria alguma contaminação”, ressaltou Falcone. “Cerveja existe há mais de 8.000 anos e nunca aconteceu uma contaminação”, completou.
A ingestão do dietilenoglicol, contudo, pode provocar intoxicação, com sintomas graves como insuficiência renal e problemas neurológicos, exatamente os mesmos
apresentados pelos oito pacientes já confirmados com a síndrome nefroneural.
“Em geral, esse produto é usado em congeladores, freezers, para limpeza. Se ingerido, pode, sim, provocar intoxicação”, avaliou o médico infectologista Carlos Starling. (Letícia Fontes)