Tristeza

Covid-19 deixou ao menos 579 crianças órfãs em Minas Gerais

No Brasil, mais de 12 mil crianças de até 6 anos perderam um dos pais

Por Hellem Malta e Gabriel Rodrigues
Publicado em 22 de outubro de 2021 | 07:48
 
 
Há 10 meses, o contador Italo Silva de Souza, de 43 anos, tenta explicar para os filhos, Noah Miguel, de 2 anos, e Israelly Beatriz, de 10 anos, a ausência da mãe, a enfermeira Karla Michele do Valle de Souza, de 42 anos, dentro de casa Foto: Arquivo Pessoal

Um dos impactos das mortes provocadas pela Covid-19 foi o grande número de órfãos que a pandemia deixou pelo país. Em Minas Gerais, pelo menos 579 crianças de até 6 anos perderam um dos pais por causa do coronavírus, entre março de 2020 e setembro deste ano, segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Entre as 209 cidades mineiras com registros de órfãos da Covid, Belo Horizonte tem o maior número de casos – são 55. Em seguida, aparecem Uberlândia (35), Contagem (27), Uberaba (24) e Betim (22).

Além disso, os números da associação mostram que 19 pais faleceram antes do nascimento de seus filhos, e – o que é mais triste – seis crianças de até de 6 anos perderam o pai e a mãe vítimas da Covid-19. Os dados foram levantados com base no cruzamento entre os CPFs dos pais nos registros de nascimentos e de óbitos feitos nos 1.463 cartórios de Minas desde 2015, ano em que as unidades passaram a emitir o documento diretamente nas certidões de nascimento das crianças.

Há dez meses, o contador Italo Silva, 43, tenta explicar para os filhos, Noah, 2, e Israelly, 10, a ausência da mãe. A esposa dele, a enfermeira Karla Michele do Valle, 42, foi uma das vítimas da Covid. Ela morreu em dezembro do ano passado. “O Noah ainda não entende bem e, quando pergunta onde está a mãe, eu falo que ela foi morar no céu”, conta. Porém, com a filha, Italo precisou buscar ajuda de uma psicóloga. “Nos primeiros meses ela chorava e fazia questionamentos difíceis como: por que Deus não levou as pessoas más ao invés da minha mãe? Foram cinco meses de consultas, e isso nos ajudou muito. Hoje, a Israelly lida com essa falta da mãe com mais leveza”, diz.

O presidente do Sindicato dos Oficiais de Registro Civil de Minas Gerais (Recivil), Genilson Gomes, avalia queesses dados sobre a orfandade poderão ajudar na adoção de políticas públicas. “Muitas dessas crianças não terão familiares para dar suporte. A presença do Estado, adotando alguma política pública com suporte financeiro, emocional, em todos os aspectos, é muito importante”, diz.

O relatório final da CPI da Covid, apresentado na quarta, sugere a adoção de uma pensão de um salário mínimo para crianças e adolescentes que perderam pais com a doença na pandemia.

A morte precisa ser falada e trabalhada

O luto pode ser sentido desde o começo da infância e deve ser trabalhado para evitar questões emocionais mais intensas e com impactos no futuro, pontua o professor de psiquiatria da infância e adolescência da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), Guilherme Polanczyk.

“A morte de um pai ou mãe é um dos fatores de risco mais importantes para problemas emocionais, não só na infância, mas ao longo de toda a vida. A morte precisa ser falada e trabalhada, porque o luto é um processo. É necessário permitir que a criança expresse o que está sentindo, e a pessoa falecida ainda precisa estar lá, em fotos e lembranças”, detalha o especialista em psiquiatria infantil.

Em todo o Brasil, ao menos 12.211 crianças, de até 6 anos, ficaram órfãs de um dos pais por causa do coronavírus.

Polanczyk cobra políticas públicas para auxiliar as famílias economicamente neste momento e acrescenta que, além disso, o Estado pode contribuir com a formação de grupos de apoio para quem perdeu alguém amado durante a pandemia. “O suporte social ficou mais fraco na pandemia. (Grupos de apoio) deveriam ser uma iniciativa pública”, completa.