O surgimento de novas variantes do coronavírus durante a pandemia foi uma caixinha de surpresas nem tão surpreendentes. Isso porque, embora a descoberta de novas versões do vírus tenha ocorrido sem aviso, as condições para o surgimento delas são conhecidas pela ciência há décadas. Os indicadores epidemiológicos da pandemia estão em queda, mas pesquisadores afirmam, com alguma certeza, que é questão de tempo para novas variantes do coronavírus serem encontradas — mas não necessariamente elas serão mais perigosas ou levarão a novas ondas de infecção. 

“O vírus está sempre evoluindo e mudando, mas acabamos não detectando todas as variantes, porque, no Brasil, principalmente, não caracterizamos grande parte das amostras de doentes. De certa forma, é questão de tempo para que uma variante surja. A grande pergunta é se ela terá alguma importância para a saúde pública”, diz o professor de biologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Renan Pedra. 

Os bolsões de populações não vacinadas são o caldo ideal para o surgimento de variantes do coronavírus. A Organização Mundial da Saúde (OMS) contabiliza que 21 países não vacinaram sequer 10% de sua população, a maior parte deles na África. As vacinas contra a Covid-19 não impedem a transmissão, mas reduzem seu ritmo e também a replicação do vírus, o que freia as mutações, detalha o professor de medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Gabriel Maisonnave. “A vacinação diminui a replicação do vírus no corpo, porque a carga viral da pessoa é menor”, pontua. A vacinação também reduz o nível de transmissão da doença e dá menos chance de mutações ocorrerem. 

Para entender o surgimento das variantes, é necessário relembrar a teoria da evolução de Darwin: o vírus se replica a cada vez que infecta outra pessoa e continua se replicando no organismo dela. A cada replicação, ocorrem erros aleatórios, transmitidos de um vírus a outro. Algumas dessas mudanças não fazem qualquer diferença para o vírus, mas outras o ajudam, por exemplo, a ser mais transmissível e conseguir se replicar mais, então se torna predominante. Eis, então, que surge uma variante de preocupação, ou seja, uma versão do vírus com capacidade para interferir nos rumos da pandemia, seja tornando a Covid-19 mais grave, mais transmissível ou escapando à proteção das vacinas, por exemplo. 

Hoje, o poder de transmissão da ômicron se aproxima do sarampo, então é mais difícil — mas não impossível — que uma variante do coronavírus seja ainda mais transmissível a ponto de prevalecer sobre ela. Também existe preocupação sobre mutações que diminuam a  eficácia das vacinas, o que as principais fabricantes de imunizantes se comprometeram a contornar com adaptações relativamente rápidas dos produtos. 

Variantes progressivamente ‘mais leves’ não são a regra

A onda da ômicron teve o maior pico de infecções da pandemia, porém o número de mortes não cresceu na mesma escala — graças, em grande parte, à vacinação. Quando a variante foi descoberta, muito se falou que o caminho natural do vírus seria evoluir para versões mais leves, a fim de infectar mais pessoas, mas sem matá-las.

O professor de biologia da UFMG Renan Pedra explica que novas variantes não são naturalmente menos letais, porém aquelas com maior capacidade para ser transmitidas por mais tempo tendem a predominar sobre as demais. “Se o vírus é potencialmente mais brando, mas mais transmissível, a frequência dele na população cresce e ele prevalece sobre outras variantes do coronavírus", elabora.  

O microbiologista Luiz Almeida argumenta que não há garantia de que as próximas variantes sejam menos graves. “Não existe nenhuma pressão evolutiva para que ele se torne menos virulento confirme o tempo passe. A grande questão para o vírus é se multiplicar, e pouco importa para ele se a pessoa ficará menos ou mais doente”, diz. O coronavírus é transmissível, inclusive, antes que o doente apresente sintomas, e é diferente, por exemplo, do vírus do ebola, que matava rapidamente e era transmitido principalmente a partir de secreções corporais.

Renan Pedra, da UFMG, enxerga este momento de redução da transmissão do vírus e ainda sem novas variantes de preocupação como uma oportunidade para que se reforce o sequenciamento de amostras no Brasil, processo que permite identificar variantes. Ao mesmo tempo, ele tem esperança de que, caso surja uma variante que escape a vacinas ou seja ainda mais transmissível que a ômicron, o sistema de saúde estará mais preparado para impedir mortes. 

“Hoje, temos vacinas, entendemos o processo de evolução e de tratamento da doença, os corpos clínicos dos hospitais estão mais preparados e educamos boa parcela da população sobre as medidas de prevenção. Acho que temos muito aprendizado e avanços que nos levariam a uma resposta não tão ruim como tivemos no início da pandemia”, conclui. 

Entenda a diferença entre linhagem, sublinhagem e variante do coronavírus

Variante: vírus que, a partir de replicações, torna-se uma versão com uma estrutura diferente do vírus original. A variante inicial do coronavírus descoberta pelos cientistas é a de Wuhan, na China. As variantes delta, gama e ômicron, por exemplo, são variantes. 

Variante de preocupação: variantes surgem constantemente, mas nem sempre elas representam um perigo. A OMS classifica como variantes de preocupação aquelas com potencial para ser mais transmissíveis, graves ou escapar de medidas preventivas. É o caso da ômicron. 

Linhagem: é aquela variante que consegue se propagar por vários territórios. Uma variante pode surgir, infectar poucas pessoas em determinado local e desaparecer de vista. Mas a ômicron, por exemplo, é uma variante que se espalhou pelo mundo. Toda linhagem é uma variante, mas nem toda variante é uma linhagem. 

Sublinhagem: quando o vírus sofre mutações, mas ainda é muito parecida com a linhagem original, forma-se uma sublinhagem. É o caso da BA.2, a sublinhagem da ômicron que se disseminou pela Europa. 

Variante recombinante: quando uma pessoa é infectada por duas linhagens ao mesmo tempo, pode surgir uma terceira variante com material genético das duas, uma variante recombinante. Em geral, isso é algo difícil de ocorrer, mas se torna mais fácil com a alta circulação do coronavírus. A deltacron, ou variante recombinante XD, é um possível exemplo, mas cientistas também acreditam que ela possa ter surgido paralelamente às demais.  

Fontes: Instituto Butantan e OMS.