Em apenas um mês, Minas Gerais acumulou quase 490 mil registros de casos de Covid-19, o recorde mensal desde o início da pandemia. O número considera apenas as pessoas que tiveram diagnóstico de Covid-19 confirmado. Por isso, na perspectiva de especialistas, a realidade do número de infectados pode ser muito maior, dada a subnotificação de casos que persiste desde o início da pandemia.

O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do centro de pesquisa CT Vacinas Flávio Fonseca explica que, tradicionalmente, calcula-se que somente de 10% a 20% de casos de doenças infecto-contagiosas sejam detectados oficialmente. “É um número já conhecido nos dados de saúde pública e pode ser, sim, vinculado ao que vivemos agora. Em alguns momentos da pandemia, assumíamos que cerca de 40% das pessoas estavam fazendo a testagem, então tínhamos 60% de subnotificação. Mas em um momento pior, em termos de acessibilidade ou de desejo do indivíduo de buscar o diagnóstico, isso pode cair para números tão pequenos quanto 90%”, detalha.

O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Renan Pedra, um dos responsáveis pelo serviço de vigilância genômica de variantes no Estado, avalia que a predominância de casos relativamente mais leves nesta onda pode mascarar o volume de infectados. “Com certeza, existe subnotificação. Ela ocorreu durante toda a pandemia e a margem, neste momento, pode estar maior. Com a ampliação da vacinação, a expectativa é que os casos sejam mais leves ou até assintomáticos entre os vacinados, então temos menos busca por diagnóstico diferencial. Ao mesmo tempo, vemos no noticiário como estão cheios os serviços de saúde, o que pode impedir o cidadão de buscar a testagem”, diz.  

Na capital, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) ampliou os pontos de testagem para pessoas com sintomas gripais, que agora também podem recorrer a testes em universidades selecionadas, além de centros de saúde. Mas, tanto na capital quanto no Estado, não há testes para assintomáticos na rede pública. Ao mesmo tempo, a rápida escalada da variante ômicron levou ao desabastecimento de testes rápidos em laboratórios privados em janeiro

O infectologista e membro do comitê de enfrentamento à pandemia da PBH Unaí Tupinambás destaca que, ainda que haja maior disponibilidade de testes para sintomáticos na rede pública atualmente, a sobrecarga do sistema de saúde favorece a subnotificação. “Com a pressão nos serviços, no SUS e na saúde suplementar, ocorre a subnotificação principalmente dos casos leves e assintomáticos. Pode ocorrer subnotificação ainda mais do que no início da pandemia. Alguns modelos matemáticos apontam que, até março, 50% da população mundial terá sido contaminada pela ômicron”, diz.  

A reportagem questionou a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) se ela reconhece a possibilidade de haver subnotificação de casos atualmente e aguarda retorno.