“A pessoa é muito valente na internet porque acha que não tem consequências. Quando você mostra para ela que há consequência na vida real, em 99% das vezes, ela se acovarda imediatamente”. A afirmação é de Pablo Villaça, crítico de cinema de BH, que já perdeu as contas de quantos boletins de ocorrência registrou e processos judiciais iniciou para denunciar ataques online.
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O principal alvo dos criminosos, detalha a vítima, é seu posicionamento político de esquerda, frequentemente alvo de ataques virtuais, uma conduta que é crime, como ressalta Alexandre Bahia, pesquisador de discurso de ódio e professor de direito constitucional da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).
“Se minha liberdade de expressão é usada para tratar o outro como menos portador dos mesmos direitos que eu, é discurso de ódio, não protegido pela Constituição”, define. No entanto, na análise dele, as medidas existentes no Brasil para combater esse tipo de prática são ineficazes.
O crescimento de grupos neonazistas no país, exemplifica, é fortalecido pela falta de controle da exposição do ódio nas redes sociais. “Há marcos que tentam punir juridicamente quem faz isso (como a Lei Geral de Proteção de Dados), mas não têm sido eficazes. Há, também, omissão das grandes redes, que ganham muito dinheiro com o engajamento gerado pelos discursos de ódio”, disse o especialista.
Ainda que a expressão “crime de ódio” seja usada para diversas infrações, sem estar prevista explicitamente no artigo 140 do Código Penal (CP), a legislação brasileira estabelece punições para diversas tipificações, como explica o advogado Caio Pedra, especialista em direitos humanos. Por exemplo: quem comete injúria por raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou com deficiência pode ficar até três anos preso e ter que pagar multa, a ser definida pela Justiça conforme os agravantes, como prevê o CP.
Odioso pensa que vive em uma bolha, analisa psicanalista
Algumas pessoas são tão “corajosas” na web porque partem da ideia de que ali é uma “terra sem lei” e porque acham que estão em uma bolha (ciclo de amigos que pensam igual), onde não há embate – premissas nem sempre verdadeiras, segundo a psicanalista Cínthia Demaria, doutoranda em cultura digital na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A dica da especialista para vítimas de crime de ódio é que procurem ajuda jurídica e também psicológica.
“O ódio parte de quem ataca”, explica Cínthia, sobre o odioso. E a especialista aconselha: “Podemos tentar mostrar para essa pessoa que o discurso de ódio que ela promove pode ter consequências gravíssimas para ela própria e, portanto, não vale a pena”. (AR)
Preso após ameaças na internet
Nem tudo que é dito na internet fica impune. Um exemplo é o caso do terapeuta Ivan Rejane Fonte Boa Pinto, de 46 anos, preso em Belo Horizonte, em julho último, após convocar, pela web, apoiadores para “caçar” integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e políticos considerados de esquerda.
“Anda de segurança armada na rua que nós, da direita, vamos começar a caçar você (Lula)”, disse Ivan em um dos vídeos, no qual se dirige ao ex-presidente Lula (PT). Ivan foi detido temporariamente pela Polícia Federal em cumprimento de mandado do ministro Alexandre de Moraes, do STF. A prisão temporária foi renovada e transformada em preventiva.
Desde 6 de agosto, Ivan está na Penitenciária de Segurança Máxima de Francisco Sá, no Norte de Minas, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública. (AR)
Tiros
No Paraná, no mês de julho, um guarda municipal que celebrava 50 anos com festa de temática petista foi morto no evento, por um policial penal, devido a divergências políticas.
Em Goiânia, na quinta (1°), um fiel foi baleado em uma perna, por um militar de folga, em uma igreja evangélica, após discordar do discurso de pastores que tinham pregado contra partidos e políticos esquerdistas. O crime é investigado.
Lá e cá
Não há como separar os crimes de ódio da web e da rua – eles se “retroalimentam”, diz Juliana Cunha, diretora da Safernet: “Um candidato faz declaração na rua, e isso promove violência na web. Ou o debate virtual pode levar à agressão de eleitores na rua”.
(Colaborou Clarisse Souza)