Decisão Judicial

CSN terá que pagar aluguel a famílias que moram abaixo de barragem em Congonhas

Em entrevista a O TEMPO, o promotor Vinicius Alcântara Galvão afirma que esta foi uma decisão histórica, pois colocou o interesse da população acima da economia

Por José Vítor Camilo
Publicado em 23 de novembro de 2021 | 21:49
 
 
Pelo menos quatro bairros são vizinhos da barragem Casa de Pedra, em Congonhas, e seriam diretamente afetados Foto: Uarlen Valério / O Tempo

Vivendo em um local que seria atingido em cerca de 30 segundos pelo mar de lama que se formaria em caso do rompimento de uma enorme barragem, os cerca de 3 mil moradores dos bairros Cristo Rei e Residencial Gualter Monteiro, em Congonhas, na região Central de Minas Gerais, tiveram mais uma vitória na Justiça. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou, na última quinta-feira (18), que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) pague um aluguel para que as 700 famílias consigam sair do local.

A barragem Casa de Pedra tem, segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), mais de 100 milhões de metros cúbicos de rejeitos, sendo cerca de cinco vezes maior que a estrutura que se rompeu em Brumadinho.

Em sua decisão, a juíza Flávia Generoso de Mattos, da Comarca de Congonhas, ordenou o pagamento de R$ 1.500 mensais a cada uma das famílias, com o objetivo de que eles possam fixar residência em novo local.

“Não há como afirmar que aquela estrutura poderá se romper, muito menos afastar tal possibilidade. A probabilidade do direito perseguido em prol daquela população é evidente, e a medida, pretendida pelo Ministério Público é profilática. Esperar que algo pior aconteça não é o que se busca com a tramitação desta ação, muito embora a mineradora defenda que o Complexo Casa de Pedra é seguro e não há risco de rompimento”, destacou a magistrada na decisão.

Sandoval de Souza Pinto Filho, diretor da União de Associações Comunitárias de Congonhas (Unacom), conta que a mobilização dos moradores contra a mineradora teve início ainda em 2011, antes mesmo do rompimento da barragem em Mariana, quando a estrutura da Casa de Pedra deu sinais de rompimento.

"Com certeza essa foi uma decisão muito importante, mas, sinceramente, assustamos com a demora, já que em 2019 a Justiça decidiu que a empresa deveria pagar um novo local para a creche e escola dos bairros, que ficavam a cerca de 600 metros da barragem", lembrou.

O representante da Associação Comunitária do Bairro Residencial, Rodrigo Ferreira da Silva, também comemorou a decisão judicial. "Muito importante, pela primeira vez a Justiça está trabalhando com a prevenção e reconhece o direito dos atingindos", celebrou.

Decisão histórica

Em entrevista à O TEMPO na noite desta terça-feira (23), o promotor de Justiça Vinícius Alcântara Galvão afirmou que a decisão da Comarca de Congonhas foi histórica, "do ponto de vista do direito brasileiro e mundial".

"É o reconhecimebnto de uma inversão positiva de valores, em que o interesse da população vai em primeiro lugar, acima do interesse econômico. Nessa decisão, são beneficiadas as pessoas que foram psicologicamente atingidas. Se uma escola e uma creche novas precisaram ser desativadas, como a população teria segurança de viver ali?", indaga o promotor.

Ele lembra que a população passou a viver com angústica, com receio, após assistir às tragédias de Mariana e Brumadinho. "Houve um aumento do consumo de álcool e medicamentos antidepressivos nestes bairros. Essa população tem direito a ter uma qualidade de vida", defende Galvão.

A decisão da Justiça determina que os moradores deverão deixar as chaves de suas residências sob os cuidados da empresa, que deverá fazer, na presença do proprietário, uma vistoria completa do estado do imóvel, incluindo um acervo fotográfico. A mineradora deverá ainda manter a vigilância patrimonial destes imóveis.

"O pagamento do aluguel é apenas provisório, até que seja definido se a mineradora irá pagar indenização ou fará a construção de um novo bairro, longe do trajeto dos rejeitos da barragem", completou o promotor.

Mineradora diz que estrutura é estável

A CSN foi procurada pela reportagem e informou, por meio de nota, que irá adotar as "medidas judiciais cabíveis e eventuais recursos" contra a decisão do TJMG.

"A CSN Mineração deixa claro, todavia, que a barragem de Casa de Pedra possui laudo de estabilidade emitido em setembro de 2021. Trata-se de estrutura segura e construída pelo método a jusante. Por fim, destaca que sua produção atualmente é feita pelo método a seco, ou seja, sem uso de barragens", finaliza o texto da mineradora.