Soterrados pela lama

Conforto e solidariedade amenizam a dor após desastre em Brumadinho

No IML, voluntários oferecem abrigo e alimentos a quem foi identificar corpos

Seg, 28/01/19 - 02h00

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A cada familiar que saía aos prantos do Instituto Médico-Legal (IML) de Belo Horizonte, um grupo de voluntários se apressava para oferecer algum conforto que amenizasse a dor. Um abraço, um colo para sustentar a cabeça durante o choro, água, café, sanduíche, bolo e até cachorro-quente foram formas encontradas para dar um acalento a quem recebia a notícia definitiva da morte de um parente querido no desastre provocado pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, na região metropolitana da capital.

Daniel Muniz, 30, foi um dos 16 corpos identificados, e seus parentes, amparados pelos voluntários, estavam entre os mais abalados emocionalmente. No sábado (26), eles foram informados que Muniz havia sido socorrido com vida e estava no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, mas foi um desencontro de informações. A esperança se transformou na confirmação do luto em menos de 24 horas.

“Quando me falaram que ele estava no hospital, fomos correndo para lá. Eu só pensava que não importava o estado de saúde dele. Só me importava que ele estivesse vivo. Mas chegamos, e ele não estava lá. Aí, hoje (domingo) de manhã, nos ligaram falando que havia encontrado um corpo que poderia ser dele. Chegamos aqui e o reconhecemos. Só agora a ficha caiu de vez de que ele morreu”, disse o tio de Daniel, o empresário Uanderson Muniz Silva, 42.

Cuidado e carinho

Uanderson Muniz Silva estava com a mulher e a filha, de 6 anos, que foram recebidas pelos voluntários. Logo depois, a mãe da vítima identificada foi quem precisou ser amparada para não desmaiar após saber que o filho estava morto.

“Daniel era muito amoroso. Sempre nos tratava com muito carinho. O difícil agora será falar para a mulher dele que realmente ele morreu e foi identificado. Ela está recebendo cuidados médicos porque está grávida de oito meses. Seria o primeiro filho do casal. Ela só pedia para que Deus permitisse que seu filho conhecesse o pai”, contou o tio de Muniz.

Carinho, água e café

As amigas Ohane Nunes, 24, e Yara Caroline, 25, recolheram doações para as vítimas do desastre em Brumadinho e neste domingo (27) ofereciam lanche, água e café para quem estava no Instituto Médico-Legal em busca de informações. “É um pouco que podemos fazer para amenizar a dor dessas pessoas”, disse Yara.

Caminhões

Odor. Três caminhões frigoríficos chegaram ao IML no domingo de manhã. Em certos momentos era possível sentir um forte odor mesmo do lado de fora do prédio. O instituto informou, na noite deste domingo, que dos 39 corpos que estão lá, 19 haviam sido identificados.

 

‘Vítimas do homem’, diz familiar

“O que nos mata é não ter um desfecho, um fim, seja ele qual for”. Essa foi a frase de desabafo da servente escolar Doranei Sônia da Silva, 49, ao ser informada no Instituto Médico-Legal (IML) de Belo Horizonte que não poderia entrar para tentar encontrar o filho em meio aos corpos de vítimas do rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho, que já chegaram ao local para os processos de identificação.

“É muito difícil esse momento de incerteza. Não é fácil ter disposição numa hora dessas para percorrer um corredor com corpos em busca do seu filho. Mas eu preferiria fazer isso para que esse tormento terminasse mais rápido”, disse Doranei, que não tem mais esperanças de que o filho Fauller Douglas da Silva, 29, seja encontrado vivo. Ele trabalhava como mecânico na mina da Vale.

Sem notícias

Fauller Douglas não é a única vítima do desastre na família. O padrasto dele, o mecânico Joildo da Cruz Silva, 42, ainda busca notícias sobre o cunhado e o sobrinho que também trabalhavam na mina e estão desaparecidos. “É uma tristeza enorme. Estamos aqui buscando os corpos de três familiares queridos. Deus sabe a hora da morte, mas essas vítimas não foram na hora de Deus, foram vítimas do homem”, disse.

 

Leitura de lista causa muito desespero

A cada chamada dos funcionários da mineradora Vale para que as famílias se posicionem no centro de apoio, em Brumadinho, e ouçam a leitura da lista atualizada de vítimas, o desespero fica maior. Isso porque o documento traz a listagem com o status dos desaparecidos, de encontrados ou não, mas não informa as circunstâncias em que cada pessoa foi encontrada, seja com ou sem vida. Até o fechamento desta edição, 305 pessoas estão desaparecidas.

“O nome dele está na lista e colocaram que ele foi localizado, mas eu não consegui saber ainda onde ele está, se no hospital ou no IML, se vivo ou morto. É muita angústia”, disse uma mãe que aguardava notícias do filho, de 28 anos, e não quis ser identificada.

O aposentado Carlos Antônio da Piedade, 58, que aguarda notícias do irmão Alex Rafael Piedade afirma não ter esperanças e questiona a forma como a lista tem sido feita. “Eu não tenho esperança nenhuma, mas eu quero encontrá-lo. Quero o nome dele na lista. Quero saber onde ele está. Mas eles colocam o nome, até colocam quem foi localizado, mas não falam mais nada”, disse. (Mariana Nogueira)

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