Baixa escolaridade, falta de documentos pessoais, dificuldade de inserção no mercado de trabalho, carência de moradia, abandono da família e preconceito são apenas algumas das dificuldades enfrentadas por quem deixa a prisão. Egressos de um sistema carcerário superlotado, que não cumpre seu papel de preparar os detentos para a convivência em sociedade, a maioria deles acaba voltando para a vida atrás das grades. Em Minas Gerais, segundo a última pesquisa com dados disponíveis, a taxa de reincidência criminal é de 51,4%, e diminuir esse índice depende, na avaliação de especialistas, de melhoras nas condições das prisões e de mais apoio e oportunidades a quem conquistou a liberdade.
A Lei de Execução Penal (LEP) prevê que é dever do Estado a assistência ao preso. Instalações higiênicas, instrução escolar e formação profissional são algumas das obrigações do Poder Executivo, que também deve auxiliar o egresso, inclusive, a conquistar um trabalho. Mas a superlotação é um obstáculo para o cumprimento da legislação: há 73.948 presos atualmente em Minas, ocupando 39.328 vagas.
Para a pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Cárcere e Direitos Humanos da instituição, Vanessa Andrade, nas atuais condições dos presídios brasileiros, prender é o primeiro passo em direção à reincidência criminal.
“Na primeira vez, a pessoa é presa por um crime mais banal; na segunda, é por um ato pior; e assim por diante. São necessárias políticas públicas efetivas de educação, trabalho, cultura e infraestrutura para impedir o primeiro encarceramento”, afirma a professora.
A chance de reincidência criminal é maior entre os homens, os mais jovens e os que cometem crimes contra o patrimônio, como furtos. Além disso, a ressocialização é mais difícil para pessoas com trajetória criminal longa, segundo os resultados da pesquisa que analisou 800 casos de egressos que deixaram a prisão em 2008. Na ocasião, 411 pessoas voltaram a ser indiciadas em até cinco anos após cumprir pena ou receber liberdade condicional.
“Não tem que transformar prisão em hotel cinco estrelas, mas cumprir a Lei de Execução Penal é o básico. Superlotação, ausência de serviços básicos e ociosidade muito elevada no sistema prisional; tudo contribui para a reincidência”, afirma o especialista em segurança pública e professor do programa de mestrado e doutorado de ciências sociais da PUC Minas, Luis Flávio Sapori, que elaborou a pesquisa em parceria com Roberta Fernandes Santos e Lucas Wan Der Maas.
Segundo ele, a aceitação da família e a reinserção no mercado de trabalho são essenciais para o período após a prisão. “Se ele consegue essas duas coisas, a chance de reincidência certamente vai diminuir muito. Um grande desafio é o estigma; as empresas mineiras, de forma geral, têm muita resistência em contratar egressos dos sistema prisional”, diz.
A pesquisadora Vanessa Andrade pontua também a necessidade de políticas públicas de acolhimento aos egressos. “Eles são deixados à própria sorte e, quando saem da prisão, são expostos às mesmas situações que os levaram à prisão, e vira um círculo vicioso”, diz.
Sistema prisional. A Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) administra 197 unidades prisionais em Minas Gerais, que conta com um total de 38 Apacs.
Trabalho. A Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) possui uma diretoria específica que promove a possibilidade de trabalho e profissionalização para presos por meio de parcerias com empresas. Há remuneração e remição de pena (a cada três dias trabalhados, menos um na pena). Atualmente, 18.269 presos trabalham em Minas, segundo a pasta.
Estudo. Conforme a Seap, 8.124 presos estudam em escolas estaduais que funcionam dentro dos presídios, no ensino superior a distância e em cursos profissionalizantes.
Apacs: modelos bem-sucedidos
O cumprimento de pena de forma mais humanizada é importante para a redução da reincidência criminal, na avaliação do presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Nelson Missias.
Segundo ele, um exemplo é o modelo de trabalho das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs), que devem ganhar quatro novas unidades em Minas Gerais até junho.
As Apacs devem ser instaladas em Conselheiro Lafaiete e Itabirito, na região Central, Varginha, no Sul do Estado, e Manhumirim, na Zona da Mata. Nesse modelo, os trabalhos são quase todos realizados pelos internos e não há superlotação.
“No sistema da Apac, o índice de reincidência é de 15%, e o preso custa para o Estado um terço do que custa no sistema convencional. E ele já sai com uma profissão que aprende lá dentro”, afirma o desembargador. “No sistema prisional comum, é o encarceramento puro e simples”, compara.
Conforme o desembargador, a situação carcerária no Estado é grave, e são necessárias iniciativas como a redução da superpopulação prisional e investimento em medidas alternativas.
5.702 são atendidos em programa de reinserção
No ano passado, 5.702 egressos do sistema prisional foram atendidos pelo Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), voltado para a reinserção de pessoas que deixaram as cadeias do Estado.
Segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), o programa busca garantir o acompanhamento do egresso e de seus familiares, facilitando, por exemplo, obtenção de documentos, atendimento na rede de saúde e educação, assistência social e defensoria pública. O PrEsp promove o acesso do egresso e de seus familiares a cursos profissionalizantes e emprego. Entre os que participam do programa, a taxa de não reincidência é de 77,6%, segundo a última pesquisa realizada.
A Sesp tem a Central de Acompanhamento de Alternativas Penais (Ceapa), que busca fortalecer as alternativas à prisão, em parceria com o Poder Judiciário. No ano passado, a Ceapa monitorou 17.916 pessoas.
Minientrevista
Nelson Missias
Desembargador e presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)
Por que a taxa de reincidência criminal é alta?
A pena tem dois objetivos básicos: um é o repressivo, você comete um delito e paga por ele. O outro é ressocializador. Lamentavelmente, esse segundo aspecto é levado em consideração de uma forma tímida. Hoje, ele funciona com mais eficiência dentro do modelo da Apac. No sistema convencional, não há política adequada enquanto o indivíduo cumpre pena nem para recebê-lo aqui fora. No sistema prisional comum, é o encarceramento puro, em péssimas condições, absolutamente desumano.
O que impede o sistema prisional convencional de trabalhar a ressocialização?
Principalmente a falta de recursos, e há também a falta de política adequada. É o que nós chamamos de Patronato, e está na Lei de Execução Penal. Quando o indivíduo termina de cumprir pena, o Patronato é o acolhimento que se faz a ele aqui fora para ajudá-lo a dar um destino na vida dele. E Patronatos no Brasil existem muito poucos.
O egresso do sistema prisional encontra portas fechadas?
Não deixa de se criar um estigma, e aí vem a grande contribuição da sociedade, do meio empresarial: dar uma chance a essas pessoas, para que elas possam melhorar e mudar de vida.