Aulas

Educação renova esperanças 

Vagas para alunos, porém, são insuficientes; apenas 190 detentos em MG fazem curso superior

Por Jhonny Cazetta
Publicado em 01 de maio de 2016 | 03:00
 
 
Estudos. Sob vigilância, presos têm aulas de administração de empresas dentro da unidade penitenciária Sob vigilância, presos têm aulas de administração de empresas dentro da unidade penitenciária Alex de Jesus

De dentro de sua cela no Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, Rodrigo Silva Duarte, 39, afirma ter deixado de lado os “papos maquiavélicos” com os colegas de carceragem para dar espaço às ideias de filósofos como Platão, Aristóteles e Karl Marx e, assim, “abandonar de vez a criminalidade”. Agora, estudante do curso de administração, ele foi um dos 22 detentos que iniciaram na primeira turma de ensino superior da unidade, que recebe boa parte dos criminosos mais perigosos de Minas Gerais.

Para especialistas, oportunidades como essa são peças-chave para a tentativa de ressocialização de presos como Duarte, evitando assim a reincidência no crime após a libertação. O problema, no entanto, é a pequena abrangência desse programa de ensino superior, que na Nelson Hungria, por exemplo, não atinge nem 2% da totalidade dos quase 2.000 detentos do local.

Já em números gerais, apenas 190 dos cerca de 69 mil presos do Estado estudam em um curso de graduação. “Projetos de ressocialização são benéficos para a própria sociedade, pois um indivíduo que passa por eles tem chances reais de sair e não voltar para o crime, interferindo assim nos futuros índices criminais. O porém é que são poucas vagas”, afirmou o especialista em segurança pública e pesquisador sobre o assunto, o professor universitário Jorge Tassi.

Condenado a 40 anos de prisão por tráfico internacional de drogas, Rodrigo Silva Duarte tem sido um exemplo de mudança de comportamento dentro da penitenciária desde que começou os estudos. Para conseguir se concentrar nas lições, mesmo diante do barulho dos outros presos, ele improvisa papéis higiênicos enrolados nos ouvidos para se manter focado nos livros e nas anotações.

“Depois que comecei a estudar, não vejo mais grades. Mentalmente, eu saio do pavilhão e vou para outro mundo. Estou mudando totalmente o meu jeito de pensar e quero ser um exemplo para os meus filhos. Penso em trabalhar de forma digna, nem que seja para ganhar R$ 2.000”, contou Duarte, que, na época do tráfico, recebia, em média, R$ 50 mil por mês.

Transformação. A mudança de consciência e ressocialização por meio da educação é comum também entre outros estudantes do local.

Detido há 10 anos na penitenciária por sequestro e roubos, Janderson Porto, 39, já passou em seis desses trabalhos, além de frequentar a escola desde a 1ª série. “Eu cheguei aqui quase analfabeto. Entrei na criminalidade com 13 anos e, quando cheguei aqui, nem mesmo acreditava em mim. Tinha um comportamento muito agressivo. Achava que o correto era aquilo que eu tinha na cabeça e usava força ou outros métodos para conquistar aquilo. Hoje, não. Hoje, sou outro”, garantiu, enquanto estudava em um laboratório montado exclusivamente para o curso, sob a supervisão de agentes penitenciários e a orientação de uma pedagoga.

Segundo ele, foram ao menos seis idas e vindas – incluindo fugas – antes de ser preso em definitivo em 2006. Em cada um desses retornos, ele afirma ter voltado pior para as ruas.

“Antes de estudar, usei o tempo que tinha aqui para aprender crimes muito mais graves. Se você fica aqui sem fazer nada, só ouve o mal, só aprende o mal. Então, automaticamente, quando você sair, só vai fazer o mal. Ainda bem que estou tendo essa chance”.

Saiba mais

Próximos. Segundo o coordenador de segurança da Penitenciária Nelson Hungria, José Carlos Alves, três novos projetos de trabalho deverão ser ofertados nos próximos meses na unidade. Um deles deverá ser a montagem de churrasquinhos para bares da região metropolitana.

Existentes. Um dos trabalhos já ofertados na penitenciária é a fabricação de sofás. O empreendimento é feito pelo empresário e ex-detento da unidade, Antônio Marcelino de Lima, 57. “O trabalho é um grande aliado na ressocialização. Além disso, conto com a assiduidade dos meus funcionários, que não faltam nunca, exceto se estiverem doentes’, afirma ele, que está livre desde 2005. Outros trabalhos envolvem a fabricação de objetos em gesso e em madeira. Presos também trabalham na limpeza e na manutenção do presídio.

Números. Hoje, existem 114 escolas dentro das unidades prisionais e das APACs, com cerca de 8.000 presos estudando. Minas Gerais oferece 5.625 vagas em cursos profissionalizantes aos presos via Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Superior (Pronatec).

Diretor de unidade comemora resultados


Inaugurada em 1988, a Penitenciária Nelson Hungria começou a intensificar programas de educação e trabalho apenas na década passada. Desde então, o local, que chegou a ser palco de muitas confusões entre presos – incluindo homicídios –, diminuiu em até 40% o número de agressões dentro da unidade.

“Ao longo de anos de trabalho, pude perceber a transformação de muitos aqui dentro. Por isso, eu acredito na ressocialização associada a esses projetos. Sem essas oportunidades, no ócio, eles vão continuar raciocinando pela lógica do crime. E piorar ainda mais”, afirmou o coordenador de segurança da Nelson Hungria, José Carlos Alves.

De acordo com Alves, atualmente 630 presos estão envolvidos em trabalhos ou estudos na penitenciária. Cerca de outros 500 ainda aguardam por uma vaga na fila de espera.

“A ideia é, assim que possível, aumentar essas vagas e dar mais oportunidades para nossos detentos”, acrescentou, sem, no entanto, dar uma previsão para essa medida. Recentemente, a unidade inaugurou dois novos galpões de trabalho, que tiveram investimento de R$ 750 mil.

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Próximos. Segundo o coordenador de segurança da Penitenciária Nelson Hungria, José Carlos Alves, três novos projetos de trabalho deverão ser ofertados nos próximos meses na unidade. Um deles deverá ser a montagem de churrasquinhos para bares da região metropolitana.

Existentes. Um dos trabalhos já ofertados na penitenciária é a fabricação de sofás. O empreendimento é feito pelo empresário e ex-detento da unidade, Antônio Marcelino de Lima, 57. “O trabalho é um grande aliado na ressocialização. Além disso, conto com a assiduidade dos meus funcionários, que não faltam nunca, exceto se estiverem doentes’, afirma ele, que está livre desde 2005. Outros trabalhos envolvem a fabricação de objetos em gesso e em madeira. Presos também trabalham na limpeza e na manutenção do presídio.

Números. Hoje, existem 114 escolas dentro das unidades prisionais e das APACs, com cerca de 8.000 presos estudando. Minas Gerais oferece 5.625 vagas em cursos profissionalizantes aos presos via Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Superior (Pronatec).