Pandemia

Estudo mostra importância do isolamento em BH: pico de contaminação é adiado

Com medidas rigorosas de restrição, número máximo de contaminações simultâneas cai de 600 mil para 11.250 segundo pesquisa realizada pela UFMG

Por Lucas Morais
Publicado em 02 de abril de 2020 | 19:52
 
 
A professora Meire Resende altera a rotina de limpeza após adotar o isolamento social Foto: Arquivo pessoal

Há 20 dias, Meire Resende, 40, mudou drasticamente a rotina por conta da pandemia de coronavírus. Antes mesmo do fechamento de bares e comércios imposto pela prefeitura para conter o avanço da doença em Belo Horizonte, a professora, que vive com o marido e duas filhas, iniciou o isolamento social. "Passamos a sair o mínimo possível, fiz uma compra de supermercado para durar mais tempo e até troquei o tapete da entrada da casa por uma toalha com água sanitária. Já tinha mania de limpeza, agora piorou mais", brinca.

Com todos em casa, os hábitos mudaram até na hora de receber entregas. "Já tinha o costume de pedir verduras e açougue via delivery. As próprias empresas iniciaram medidas bem diferentes. Recebi um motorista que trouxe tudo em uma caixa e pediu para que pegasse a embalagem no baú, borrifou álcool depois. Achei super interessante", comenta. Desde então, Meire só saiu de casa por duas vezes para ir ao supermercado.

Uma pesquisa do Instituto de Ciências Exatas (Icex) da UFMG aponta que o isolamento social rigoroso, como o da professora, contribuem, e muito, para aliviar e adiar o pico de casos de coronavírus em Belo Horizonte – intitulado Avaliação de Cenários de Isolamento Social para a Pandemia Covid-19 no Município de Belo Horizonte, o trabalho também contou com a participação de pesquisadores da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ).

Conforme o levantamento, em um cenário com 90% da população em quarentena, com quase nenhum contato social, o maior número de contaminações simultâneas pelo coronavírus ocorreria em 60 dias, contados a partir do dia 15 de março – ao todo, seriam 75 mil pessoas com doença, sendo 11.250 pessoas necessitando de hospitalização e outras 3.750 casos graves encaminhados para os leitos de UTI. Caso não ocorra nenhum tipo de isolamento, o índice cresceria para 600 mil pessoas infectadas em 40 dias, sendo 30 mil nos leitos de UTI na capital e 90 mil pacientes internados. 

Na última semana, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) revelou que a cidade tem capacidade para colocar até sete mil pessoas simultaneamente em respiradores. "A quantidade máxima de casos ia se desenvolver muito rápido. Nesse cenário, ocorre uma saturação dos hospitais, que não iam conseguir absorver a demanda, inclusive os particulares", conta o professor do Departamento de Estatística da UFMG, Luiz Henrique Duczmal, um dos responsáveis pelo estudo.

Conforme o especialista, apesar das particularidades da transmissão da doença no Brasil ainda não serem completamente conhecidas, a pesquisa traçou os cenários a partir do modelo usado no mundo. "No país, tem um problema grande de subnotificações. Estima que cada caso confirmado tenha pelo menos outros 20 que não estão notificados", completa.

Para Luiz Henrique Duczmal, o ideal seria que o isolamento social fosse mantido por até quatro meses. "Por isso, precisamos urgentemente de medidas governamentais de renda mínima para que as pessoas de baixa renda tenham como sobreviver e não precisem trabalhar", defende o professor.

Base para políticas públicas

Também co-autor do estudo, o professor do Departamento de Matemática da UFMG, Ricardo Takahashi, conta que os dados serviram como base para a implantação de políticas públicas em Belo Horizonte. "O objetivo é projetar o que aconteceria frente aos cenários em que nada acontece. Pegamos aqueles dados iniciais, calibramos em um modelo epidemiológico aceito pela comunidade científica para depois gerar uma previsão do que aconteceria a partir de uma taxa de transmissão do vírus", complementa.

Segundo Takahashi, ainda serão entregues outros estudos com cenários baseados na realidade atual de isolamento social na capital. "Não sabemos ainda se terá um pico transitório, ou se vai sair do controle. A existência dessa pesquisa é importante para que se permita antecipar respostas e tomar decisões rápidas", explica. Um mapeamento realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aponta que a movimentação nas ruas em Belo Horizonte já teve queda de quase 80% devido às medidas de restrição.

Membro do comitê de enfrentamento ao coronavírus criado pela prefeitura, o presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano, revela que o isolamento da população já ajuda, neste primeiro momento, a controlar o número de casos de coronavírus. "Não houve uma explosão e a quantidade de óbitos também não é muito alta. No geral, estamos mantendo um padrão melhor que outras capitais, como São Paulo. Isso tem relação com a medida ter sido implantada com vários dias de antecedência", frisa.

Isolamento continua

O infectologista comenta ainda que as medidas de isolamento social seguem na capital mineira pelo menos até a Semana Santa, que termina no dia 11 de abril. "A partir disso, vamos rediscutir conforme os dados forem se apresentando e fazer uma análise do cenário nacional para entender se é possível ou não desmobilizar a população. Já estamos realizando uma série de simulações internas", promete.