Resposta

Grupo diz que foi 'censurado' por Kalil: 'Não queremos mudar religião'

Eles fariam a 'Coroação a Nossa Senhora dos Travestis' neste sábado (20), como parte da programação oficial da Virada Cultural

Sex, 19/07/19 - 18h41
Cena da performance 'Coroação de Nossa Senhora dos Travestis' | Foto: Reprodução / Facebook Academia Transliterária

Representantes do coletivo Academia TransLiteraria, que tiveram sua participação na Virada Cultural cancelada por Alexandre Kalil nesta sexta-feira (19), acusam o prefeito de Belo Horizonte de ter praticado "censura" e dizem não querer mudar nenhuma religião.

Eles fariam a "Coroação a Nossa Senhora dos Travestis" neste sábado (20), às 20h, à frente da Igreja São José, como parte da programação oficial da Virada Cultural.

O evento gerou grande polêmica, com direito a uma petição online com mais de 14 mil assinaturas, um vídeo gravado por um vereador de Belo Horizonte, uma nota de repúdio da Arquidiocese de Belo Horizonte e outras publicações em redes sociais.

O coletivo diz que a ideia da "coroação" surgiu a partir da preparação de outra performance, quando uma integrante do grupo, Nickary Aycker, jogou a bandeira trans sobre o corpo e colocou na cabeça uma coroa de flores. "Parecia uma entidade sagrada e daí, a partir dessa visão em todo o seu brilho, vimos uma espécie de culto a todas as travestis, do nosso coletivo e fora dele, como forma de celebração da vida", diz o comunicado do coletivo. 

"Se a referência de base são alguns símbolos religiosos, por outro lado não se trata de substituir nenhum deles por essa nossa imagem. Menos ainda trata-se de negar a fé alheia. Não é a Senhora Mãe de Jesus aqui, mas uma Outra Senhora, a nossa travesti, moça que é diariamente excluída do convívio social (olhada com horror e desdém), do mundo da arte e da cultura (condenada a nunca ter ideias ou opiniões), da  economia (restando-lhe só a prostituição), das ruas (salvo as esquinas dessa mesma prostituição) e da religião (como se não fosse parte de um mistério maior da vida)." 

O grupo também diz que está aberto ao diálogo e é contra qualquer forma de censura das artes.

Leia o comunicado na íntegra:

"Nós da Academia TransLiteraria informamos com muito pesar a censura que recebemos por parte da organização da Virada Cultural de Belo Horizonte, na pessoa do prefeito Alexandre Kalil, via postagem no twitter e redes sociais sem o devido contato o anterior com o coletivo e sem cumprimento do prazo com a secretária de cultura.

Estivemos essa manhã  na secretaria municipal de cultura em reunião com representantes desta secretaria bem como da  fundação municipal cultura incluindo Juca Ferreira, Fabíola Moulin e Lilian Nunes, responsavel do Instituto Periférico.

Nesta reunião fomos comunicades que a censura é um fato e que não há o que fazer da parte da secretaria, da fundação e de nossa parte.

Contextualizamos também a trajetória e ações artistico-sociais promovidas pelo coletivo numa tentativa de reverter a censura imposta pelo prefeito Alexandre Kalil e Arquidiocese de Belo Horizonte na figura do arcebispo Dom Walmor. 

Gostaríamos de ter a possibilidade de diálogo com quem acredita que nossa ação é um ataque a fé católica ou cristã, para que entendam os seguintes aspectos que vêm a seguir:

O poder que as artes têm de mudança de realidade social. É forte para nós da Academia TransLiterária ao longo desses quase três anos existência nos olhamos cara a cara e ver quem fomos, onde estávamos e quem nos tornamos após o início desse coletivo. 

Empoderamento que leva a emancipação, pois se podemos ser artistas podemos ser qualquer coisa. Dizemos, somos artistas!  Dizemos que nossos corpos falam de uma cultura, um lugar, falamos nossa própria língua, nossos corpos respondem artisticamente de várias formas somos uma comunidade. Produzimos culturaS. 

Extrapolamos o real, não pretendemos mais performar para mostrar o mundo como ele é, para isso temos as estatísticas, temos a convivência. Nós performamos como transformar o mundo. Nós tornamos a nossa representação em si real, uma revanche. 

Vamos ao longo da trajetória da Academia TransLiterária celebrando, festejando cada passo, cada criação. Nossa arte é festa por que em um mundo que não deseja nossos corpos vivos, seguimos vivos. Performamos, escrevemos, pesquisamos, pensamos, festejamos, poetisamos um mundo diferente para nós todes, cientes do mundo no qual estamos. 

Assim surge a Coroação de Nossa Senhora das Travestis: um atraque literário. A partir de uma situação na preparação de outra performance, em que nossa amiga e integrante do coletivo, Nickary Aycker, jogou a bandeira Trans sobre o corpo e colocou na cabeça uma coroa de flores. Parecia uma entidade sagrada e daí, a partir dessa visão em todo o seu brilho, vimos uma espécie de culto a todas as travestis, do nosso coletivo e fora dele, como forma de celebração da vida. 

Se a referência de base são alguns símbolos religiosos, por outro lado não se trata de substituir nenhum deles por essa nossa imagem. Menos ainda trata-se de negar a fé alheia. Não é a Senhora Mãe de Jesus aqui, mas uma Outra Senhora, a nossa travesti, moça que é diariamente excluída do convívio social (olhada com horror e desdém), do mundo da arte e da cultura (condenada a nunca ter ideias ou opiniões), da  economia (restando-lhe só a prostituição), das ruas (salvo as esquinas dessa mesma prostituição) e da religião (como se não fosse parte de um mistério maior da vida). 

Coroação de Nossa Senhora das Travestis: um atraque literário é, portanto, uma celebração da potência que vive em cada travesti. Mas é também um encontro com todas as outras potências de todas as outras pessoas ali presentes, sejam trans, cis, hétero, homo, não binárias, intersexo ou como se identificam e seguem suas existências. 

Não queremos propor e nem mudar nenhuma religião. Não se trata de religião. Há aqui apenas um aspecto religioso no encontro com todos em volta de nós: a ideia de religar as pessoas, de coração aberto e na alegria.

Estamos abertos ao diálogo e somos contra qualquer tipo de censura as artes no Brasil. É importante ressaltar que MG é e continua sendo o estado que mais mata no país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo. Mas, nós seguimos na luta! E vamos vencer no amor!"

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