Manter-se dentro do peso ideal se tornou uma meta difícil de alcançar para a aposentada Vera de Carvalho Cunha, 70, que há cinco anos tenta evitar ganhar de volta todo o peso perdido após uma cirurgia bariátrica. Ela se mantém ativa – física e mentalmente –, mas os problemas de saúde diversos, como artrose, fibromialgia e asma, dificultam a tarefa. 

“Eu estava com 120 kg, perdi 50 kg após o procedimento e mantive isso por muito tempo, mas, nos últimos anos, ganhei 15 kg, que são difíceis de perder. Ainda mais que eu não estou conseguindo sair muito, fazer minha caminhada”, relata a idosa. 

A situação de Vera faz parte de um cenário brasileiro que foi constatado em estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): o número de idosos obesos e com sobrepeso entre 2006 e 2019 cresceu, o que coloca em risco a longevidade da terceira idade.

Risco de problemas aumenta

Conduzido pela nutricionista mineira Laura Cordeiro, o levantamento mostrou que, nesse público, a prevalência de sobrepeso aumentou de 53% para 61,4%, e a prevalência de obesidade, de 16,1% para 23% no intervalo. Para quem já tem idade avançada, o excesso de peso pode representar elevação nos riscos de problemas como Acidente Vascular Cerebral (AVC) e infarto, além de limitar a locomoção, o que pode prejudicar ainda mais essa população.

O estudo identificou o aumento de sobrepeso e casos de obesidade em todos os grupos socioeconômicos analisados. Em relação à obesidade em idosos, as maiores taxas foram observadas nas mulheres (23,6%) e nas pessoas com idade entre 60 e 69 anos (23,7%).

Possíveis causas

Embora o estudo não identifique o que leva a esse cenário, Laura acredita que é possível relacionar a crise econômica e política instalada no país após 2016 com a mudança nos hábitos alimentares da população em geral. 

“Foram suspensas importantes ações estruturais, como o aumento real do salário mínimo e de pensões, e os preços de produtos e serviços aumentaram em ritmo mais acelerado que a renda pela primeira vez em quase duas décadas. E, quando isso acontece, a gente sabe que as pessoas buscam por alimentos mais baratos, que são os industrializados e ultraprocessados”, explica.

A especialista acrescentou: "Houve uma mudança no comportamento da população idosa neste período que agravou o quadro. São vários fatores, mas o aumento no preço dos alimentos e a perda de renda,  specialmente da população em áreas mais pobres, podem ter sido mais determinantes.

Isso aconteceu com a aposentada Vera, que relata dificuldade para continuar comprando os mesmos alimentos que consumia antes. 

“Para manter os 70 kg, eu tinha que evitar carboidrato, comer mais legumes e folhas, usar adoçante e pão integral. Essa crise, de uns anos pra cá, tem me afetado e muito, porque tem coisa, principalmente da dieta, que não está dando pra comprar mais. Está muito caro”, diz.

 

Perda de mobilidade afeta a mente 

A obesidade na terceira idade pode limitar a autonomia dessa população e ser crucial para o surgimento de uma geração cada vez mais dependente, alerta Patrícia Campos Gomes, educadora física especializada em idosos. 
 
“Um dos fatores mais importantes para se preservar na terceira idade é a independência, o quanto o idoso consegue fazer as coisas sozinho. Se essas doenças vão surgindo cada vez mais, e a obesidade também causa um problema de mobilidade, podemos ter um aumento de pessoas que não conseguem se locomover, sair de casa. E, com isso, a saúde mental é muito abalada”, explica.
 
Via de mão dupla
Segundo ela, o fator emocional não só pode agravar os casos de obesidade, como também ser um grande causador do problema. “É uma via de mão dupla. A ansiedade e a depressão podem levar ao sedentarismo e ao transtorno alimentar e também causar obesidade. Uma pessoa assim, consequentemente, vai perdendo a capacidade de sair, se locomover, o que agrava o quadro emocional”, relata.