Emenda promulgada

Mudança na Constituição abre brecha para agente de trânsito usar armas

Alteração promulgada pelo Congresso já está em vigor desde julho, atendendo a reivindicação de sindicato da categoria; especialista vê fragmentação da atividade policial

Por Juliana Baeta
Publicado em 08 de agosto de 2014 | 20:12
 
 
Emenda constitucional abre brecha para que todos os agentes de trânsito do país andem armados

Uma modificação na Constituição Federal, publicada no "Diário Oficial da União" (DOU) em julho deste ano, abre uma brecha para que os agentes de trânsito de todo o país possam andar armados. É que a Emenda Constitucional de número 82 acrescenta ao artigo 144, que trata da segurança pública nacional, o inciso 10, que garante aos agentes o "domínio sobre a segurança no trânsito". Segundo a emenda, o objetivo é garantir "a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas".

A emenda foi proposta pelo deputado federal Hugo Motta (PMDB/PB), atendendo a reivindicação do Sindicato Intermunicipal dos Agentes de Trânsito da Paraíba (Sinatran-PB), mesmo Estado do deputado. Em entrevista ao site Ponte, especializado em segurança pública, o presidente do sindicato, Antônio Coelho, disse que os agentes já deveriam estar armados, pois, “ao abordar um veículo, o agente não sabe quem vai encontrar, se o condutor é um criminoso ou não”. Além disso, Coelho também acredita que a arma terá um efeito psicológico porque “impõe respeito” e irá diminuir o nível de desacato. A reportagem tentou contato com Coelho, mas ele não foi localizado.

A nova emenda já foi promulgada e está valendo desde que foi publicada no DOU, em 17 de julho. Ela não exige regulamentação ou sanção presidencial, ou seja, já está em vigor.

O novo inciso discrimina que a “segurança viária” compreende “a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente” e determina que são responsáveis por ela os órgãos ou entidades executivas e seus agentes de trânsito, estruturados em carreira, na forma de lei.

Com isso, o texto dá margem a várias interpretações, uma vez que, em Belo Horizonte, por exemplo, os agentes de trânsito são compostos por três grupos: policiais militares – que, naturalmente, já possuem o porte de arma –, os cerca de 2.500 guardas municipais da capital – que só não andam armados devido a uma "ingerência municipal", segundo o sindicato da categoria – e os 400 agentes da BHTrans, empresa que administra o trânsito na capital e que não quis se posicionar sobre a questão.

Outro tipo de segurança

Uma dessas interpretações é do presidente do Sindicato dos Agentes de Trânsito de São Paulo, Reno Ale, que acredita que os agentes devem sim, ser inseridos no âmbito da segurança pública, mas que não precisam estar armados para isso. “Dirigir e segurar o trânsito não são coisas distintas. Quando você faz alguma intervenção na via, sedimenta uma faixa de rolamento, por exemplo, com largura ideal para que os carros possam transitar com segurança, você está promovendo a segurança desta via".

"A gente tem que lembrar que quando falamos em trânsito, não estamos falando apenas dos carros, mas também dos pedestres. A figura do agente está ali para garantir a fluidez no tráfego com a maior segurança possível tanto para quem está dirigindo, como para quem está transitando. Se há um acidente em um cruzamento, ou mesmo se um semáforo está queimado, ou qualquer outro imprevisto, este agente vai operacionalizar o tráfego ali, e ele não precisa estar armado para isso”, defendeu ainda.

Já para o coordenador do núcleo de estudos sociopolíticos da PUC Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio Reis, a medida é um retrocesso. “Ela modifica o entendimento de segurança pública porque dá a outras categoria o poder de polícia. E isso é muito complicado no Brasil, no momento em que temos muitos problemas em relação aos policiais tradicionais, que são os civis e os militares. O índice de violência destas polícias é muito alto se comparado com parâmetros internacionais”, disse.

Consequências graves

Para Reis, armar outras categorias pode gerar consequências graves, como a falta de controle desses agentes. “Essas instituições, como guardas municipais, agentes penitenciários e, agora, os agentes de trânsito, não têm o controle, mesmo que interno, como as polícias tradicionais têm. Criando mais possibilidades de armamento, você também cria mais fragmentação no campo da atividade policial. Toda discussão moderna, inclusive com os próprios policiais, é no sentido de se ter uma polícia unificada no Brasil. Este modelo em que se têm duas polícias é competitivo, desarticulado, que gera muito custo e pouca eficiência. Com essa emenda, ao invés de se diminuir essa fragmentação na polícia, ela acaba sendo potencializada”, explicou.

“No Brasil, hoje, 85% dos homicídios são causados por arma de fogo, e muitos deles, estão relacionados à letalidade da ação da polícia. Eu acho que este é o problema. Ao invés de termos menos agentes públicos armados e mais controle do índice de uso de arma de fogo, estão aumentando este contingente com mecanismos de controle muito frágeis. Para controlar isso, você tem a corregedoria, que tem muita dificuldade em punir quando os policiais cometem crimes, o Ministério Público, que deveria fazer esta função mas, historicamente, não tem atuado muito neste sentido e as ouvidorias, que deveriam ser autônomas, mas acabam não tendo autonomia nenhuma para fazer este controle”, finalizou o especialista.

Mais armas

A brecha que se abriu com a Emenda Constitucional 82/2014 para que os agentes de trânsito possam andar armados não é a única que, recentemente, dá o aval para que mais armas circulem no país. Em junho, foi sancionada a lei que permite o porte de arma para agentes e guardas prisionais. O texto, neste caso, altera trechos do Estatuto do Desarmamento que tratava sobre o tema.

E, também em julho, foi aprovado pelo Senado o projeto de lei que regulamenta a criação e o funcionamento das guardas municipais e permite a eles o uso de arma de fogo em casos previstos no Estatuto do Desarmamento. Para começar a valer, o projeto ainda precisa passar pela sanção da presidência.

Atualizada às 20h19