Era pra ser uma segunda-feira igual a muitas outras, mas a data ficou marcada para a engenheira civil Fabiane Jardim, de 39 anos, como mais um dia de combate ao racismo. Ao tirar uma carteira de identidade na Unidade de Atendimento Integrado (UAI), de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, ela viu a foto ser recusada por estar de tranças na imagem. A Polícia Civil informou à reportagem, nesta sexta-feira (30), que está investigando o caso, registrado como injúria racial.
Fabiane conta que foi até à unidade na segunda (16) para fazer o documento. Ao entregar a foto 3x4 à atendente, esta pediu para que ela esperasse uns minutos. A mulher então dirigiu-se a outro departamento, onde mostrou a foto ao que Fabiane identificou como supervisor. “Eu consegui ver que eles estavam conversando por meio de uma parede de vidro”, conta.
Ao voltar, a atendente disse que a foto tinha sido recusada. Fabiane até cogitou tirar outra fotografia, mas questionou o que havia de errado com a imagem dela. A responsável pelo atendimento disse que não sabia, e Fabiane se dirigiu a um policial civil que fazia plantão no local. “Ele (o policial) disse que não havia nada de errado com a minha foto e, então, chamou o supervisor que havia rejeitado a imagem”, diz.
O homem acabou dizendo que a fotografia tinha sido reprovada porque Fabiane estava de tranças. “Mas eu uso tranças desde criança”, respondeu a engenharia ao homem. “Ao ver o que estava acontecendo, o policial falou que minha foto estava liberada, e o atendente me pediu desculpas”, diz Fabiane que recebeu pedido de perdão de outras pessoas da unidade.
Denúncias
Ao sair de lá, a engenheira não parava de pensar no assunto e decidiu registrar um boletim de ocorrência junto à Polícia Civil. “Isso é inadmissível. Fiquei pensando no quanto de mulheres pretas que foram até lá para tirar a identidade e passaram por isso. Eu sou de matriz africana, e isso deve ser respeitado”, reflete.
Além de fazer a denúncia à instituição, Fabiane também procurou pela Secretaria de Direitos Humanos de Contagem e relatou que também entrará com um processo no Ministério Público na semana que vem. “É uma pauta necessária. Se minha vó, minha mãe e eu temos que trocar as nossas fotos, eu espero que as gerações futuras não passem por isso novamente”, observa.
Fabiane conta que postou o caso nas redes sociais, e várias pessoas relataram ter passado pelo mesmo. “Muitas pessoas falaram que foram discriminadas também porque são deficientes”, conta.
O que diz a Seplag
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Planejamento de Minas Gerais, a qual o UAI é submetido. Por meio de nota, a Seplag informou que as Unidades de Atendimento Integrado "repudiam qualquer tipo de atitude preconceituosa, prezando sempre pela excelência no atendimento aos cidadãos".
Disse também que as características pessoais não influenciam na avaliação para a confecção do documento de carteira de identidade, desde que não impeçam a visualização do rosto do requerente.
Sobre o caso de Fabiane, relatou que "a foto apresentada pela cidadã no momento da triagem causou dúvidas por apresentar superexposição (faixa branca de claridade em excesso) na parte superior e sombra na parte inferior. Sendo assim, a colaboradora solicitou análise do supervisor do setor, uma vez que apenas a autoridade policial tem competência para validação, e o supervisor liberou a utilização da foto apresentada", finalizou.