Denúncia de ameaça

Pai de aluno vai a faculdade em BH e ameaça professora por suposta falta

O homem foi até a sala de aula para, supostamente, procurar uma aluna que teria denunciado à professora que sua filha foi embora da aula após a chamada

Por Lara Alves
Publicado em 23 de agosto de 2019 | 14:08
 
 
Alunos registraram a confusão em áudio e em vídeo Foto: Reprodução/Youtube

Alguns minutos haviam transcorrido desde o início de uma aula de direito tributário no Centro Universitário Newton Paiva, na avenida Carlos Luz, região Noroeste de Belo Horizonte, quando, o pai de aluna entrou na turma e deu início a uma confusão que, segundo relatos, poderia ter terminado em tragédia.

O caso aconteceu na noite dessa quinta-feira (22), e a professora, à frente da turma onde tudo ocorreu, precisou voltar para casa sob escolta armada. A discussão teria acontecido porque a filha do homem teria acreditado que recebeu uma falta após assinar a chamada e ir embora. 

"Eu não gosto que façam qualquer palhaçada com a minha filha, eu sou pai, não me interessa se é sua aula, se não é, se deixou de ser. Se essa pessoa que eu falei o nome continuar perseguindo minha filha...". Este é o trecho contido em apenas um dos áudios trocados entre alunos nos quais dá para se ouvir a gritaria, a voz que tece comentários seria do pai da aluna.

A filha teria dito a ele que, uma aluna, a denunciou à professora depois que ela respondeu a chamada e foi embora. A educadora à frente da disciplina autoriza que seus alunos gravem suas aulas para estudar depois, assim, em muitos dos áudios é possível escutar o exato instante em que o pai entra na sala. Para chegar até lá, o homem teria dito que é coronel da polícia e vereador de Belo Horizonte. 

Renata* iniciara há pouco sua aula, quando foi surpreendida pela chegada do pai. Ela conta que, alguns minutos antes, conversara com a filha do homem. A moça tinha ido até sua turma, do nono período do curso de Direito, para saber o porquê de ter recebido faltas.

"Passado pouco tempo após a chamada, a aluna entrou na sala, a que é filha desse coronel, me perguntou que problema ela estava causando à sala. Falou comigo que não ia ficar em sala, estava com problemas no útero e sentia muitas dores. Eu disse que ela poderia me encaminhar um e-mail e que eu não daria falta a ela. No entanto, ela saiu muito agressiva da turma, ameaçando uma aluna com 'eu te pego', 'você é muito escrota'", relata. 

Luana* é a aluna para quem as ameaças foram direcionadas. À reportagem de O TEMPO, ela contou divide sala com a filha do suspeito desde o segundo período do curso, nunca foram próximas e sequer conversavam. "O máximo que trocávamos era 'bom dia'. O pai dela disse que eu a persigo, chegou muito transtornado na sala, me ofendendo, falando coisas muito feias para mim. Ele disse que ia descobrir quem eu era, que ia destruir minha vida", desabafa muito emocionada. 

Um dos temores dos alunos e funcionários da universidade que lá estavam é quanto um possível volume sob a camisa do pai da aluna que poderia ser uma arma. A confusão durou alguns minutos, até que os seguranças, responsáveis pela escolta armada no campus localizado à avenida Carlos Luz, intervieram para garantir que ninguém fosse agredido.

Isto pois, alguns alunos se levantaram para defender a professora e, um deles, chegou a tentar fechar a porta. À tentativa de ser contido, o suspeito grita em um dos áudios: "Não bate a porta na minha cara, não, você tem que ter educação. Não bate a porta na minha cara". 

A todo tempo, Renata pede que os alunos voltem para a sala. "Enquanto permaneceu na minha sala, ele muito transtornado gritava que paga meu salário, com um tom ameaçador. Eu tentava controlar a turma, apaziguar a situação. Eu não sei se ele não teria me agredido, ele vinha muito para cima de mim. Eu tive medo de apanhar, claro que tive", desabafa a educadora. 

Depois da confusão

Após ser afastado dos alunos, o homem foi encaminhado à sala de professores, onde funcionários tentaram conversar com ele. Em uma das gravações, é possível ouvir um grande estrondo que, segundo relatos, seriam tapas que ele dava sobre mesas. A professora e a aluna diretamente ameaçadas esperaram que ele fosse embora e permaneceram na universidade até 22h40, quando foram escoltadas até as saídas. A gerência do campus procurou a educadora e prestou completo apoio. 

Na manhã desta sexta-feira (23), a aluna ameaçada foi até a Delegacia Especializada em Atendimento a Mulheres (Deam), onde registra um boletim de ocorrências pelas ameaças sofridas. "Meu pai está muito preocupado, muito inseguro e quer saber como eu vou para a faculdade se ele não tem certeza que eu voltar. Imagina se eu estivesse do lado de fora da sala e a filha dele dissesse que eu era eu? Imagina se eu estivesse sozinha? Não sei o que ele teria feito comigo", relata a estudante de 21 anos. Ela não sabe se voltará para a faculdade na próxima semana. 

Renata, por sua vez, precisa retornar e cumprir suas aulas nesta sexta-feira à noite e no sábado (24) pela manhã. Para continuar suas atividades, ela solicitou que a equipe de escolta armada da Newton a acompanhe no trajeto entre o estacionamento do campus e a sala de aula, e que por lá permaneça até o fim da aula. "Eu me dispus a ir hoje (sexta-feira) pela manhã para esclarecer o que aconteceu. A coordenação pediu que eu não fosse para me proteger. Ele deixou bem claro que eu voltaria e a faculdade não quer que eu fique na linha de frente com esse coronel. Nunca aconteceu isso comigo, estou tentando controlar a emoção", comenta a professora. Ela registrará um boletim de ocorrência, na presença de seu advogado, ainda na tarde desta sexta. 

À reportagem de O TEMPO, o Centro Universitário Newton Paiva lamentou o ocorrido e esclarece que foi surpreendida pelo fato acontecido. A instituição comunicou que “está apurando todas as circunstâncias para tomar as providências cabíveis” e “oferecer, a todos os  envolvidos,  a assistência necessária para a superação do episódio.”

Em entrevista à Rádio Super, na noite desta sexta-feira (23), o coronel Alberto Luiz negou que tenha invadido a faculdade e ameaçado a professora e a aluna. 

"Eu sempre espero a minha filha aqui lendo um livro, não ando armado. Ontem, ela estava passando mal, respondeu a chamada e saiu de sala. Essa outra aluna implica com a minha filha desde o começo do curso falando que ela é 'patricinha', filha de coronel. Eu fui acompanhado com um funcionário até a sala. Posso ter alterado a voz um pouco, mas, como pai, depois que vi minha filha chorando muito. Não teve ameaça e isso é uma calúnia. Hoje de manhã já estive aqui e conversei com os coordenadores", afirmou.

Leia na íntegra a nota do Centro Universitário Newton Paiva:

“A Newton lamenta o ocorrido e mantém seus valores de acolhimento e apoio a todos os seus alunos, professores e colaboradores, indiscriminadamente.

A Newton esclarece que foi surpreendida pelo fato e que, nesse momento, está apurando todas as circunstâncias para tomar as medidas cabíveis, resguardar a ordem, a segurança na instituição e oferecer, a todos os  envolvidos,  a assistência necessária para a superação do episódio.”

A Polícia Militar de Minas Gerais também foi procurada para esclarecer se o autor das ameaças é, realmente, coronel da corporação. A assessoria do órgão respondeu apenas que existe um coronel reservista com o mesmo nome do suspeito, mas não confirmou se são a mesma pessoa. 

O pai da aluna, inclusive, se disse vereador de Belo Horizonte, mas, segundo relatos de alunos, ele foi apenas candidato e não venceu as eleições. O TEMPO entrou em contato com o suspeito por telefone, mas as ligações não foram atendidas. 

*Todos os nomes foram trocados para preservar a identidade dos envolvidos.

Atualizada às 16:51