Senado

Projeto de lei quer obrigar ida de pais à escola a cada dois meses 

Texto de Cristovam Buarque propõe punições como multa e veto em concursos públicos a ‘infrator’

Por Joana Suarez
Publicado em 04 de agosto de 2015 | 03:00
 
 
Exigência. Se a proposta virar lei, diretores terão que emitir certificado de comparecimento aos pais DENILTON DIAS / O TEMPO

Através de um sistema virtual com senha, a advogada Angélica Almeida, 30, acompanha as notas e o comportamento da filha Ana Clara, 10, na escola. Já a reunião de pais presencial só ocorre oficialmente uma vez, no início do ano letivo. Um projeto de lei que tramita no Senado quer tornar esses encontros entre família e professores obrigatórios e mais frequentes, pelo menos um a cada dois meses. A ideia de aproximar os responsáveis pelo aluno do ambiente escolar é defendida por especialistas ouvidos pela reportagem, mas poucos acreditam que uma legislação com punições seja o caminho para concretizar a proposta.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 189/2012 do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) entra nesta terça na pauta da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, com a aprovação do relator Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE). Pela proposta, os pais que não acompanharem pessoalmente o desempenho escolar de seus filhos – por meio de reuniões de pais e mestres ou por diálogo individual com os professores a cada dois meses – estarão sujeitos a multa de 3% a 10% do salário mínimo (cerca de R$ 23 a R$ 78) e proibições como de se inscrever em concursos públicos, obter empréstimos e passaporte ou carteira de identidade.

Na escola da Ana Clara, no bairro Coração Eucarístico, região Noroeste de Belo Horizonte, além de uma reunião anual, os professores disponibilizam horários para atender os pais interessados. Neste ano, a mãe dela já foi três vezes à unidade. “Da última vez pedi uma data para conversar e não tinha disponível porque havia outros pais marcados. Acho essa lei desnecessária porque quando o aluno apresenta problema as coordenadoras chamam os pais e quando os pais identificam algo de errado, eles vão à escola”, afirmou Angélica. Pelo sistema eletrônico da escola, a advogada tem informações como, por exemplo, se a filha entregou o dever. Dependendo do caso, o aluno perde pontos. “Para mim só faltava a escola fazer reunião no fim do ano para passar uma visão sobre o aproveitamento dos alunos”.

No entanto, para o autor do projeto, o problema maior está nas escolas públicas. “As classes média e alta acompanham os filhos porque pagam e cobram um ensino de qualidade. Nas camadas mais pobres isso não ocorre”, destacou Buarque, que acrescenta uma proposta ainda mais polêmica. “Uma ideia que se considera é cobrar mensalidades simbólicas (de R$ 5) nas escola públicas. Isso da poder aos pais, que passam a dar valor e se sentem no direito de ir mais à escola. Mas muitos acham que o que é pago não é público e seria um grande descontentamento”, completou.

Alerta. O senador acredita que a lei vá despertar os pais para o assunto, nem que seja pelas sanções. Especialistas porém acreditam que seria mais uma lei não cumprida.

“Não sei se é por lei que vamos resolver isso. Eu vejo que existe historicamente uma relação tensa entre família e escola, uma falta de compreensão mais clara sobre a posição de um ou de outro, mas não podemos generalizar. Onde isso é ruim, a lei pode até piorar, porque vai virar uma obrigação e o diálogo não passa por aí”, destacou o professor Juarez Dayrell, da Faculdade de Educação da UFMG.

Estudo
Desempenho
. Na semana passada, estudo da Unesco indicou que no Brasil o desempenho dos estudantes melhora quando os pais acompanham a vida escolar, apoiam os filhos e chamam a atenção deles.

A proposta
Entenda.
O PLS 189/12 obriga diretores a emitirem certificado de presença dos pais na escola a cada dois meses. A escolha pela frequência, segundo Buarque, “se deu aleatoriamente, porque uma por mês seria muito”.

Tramitação. Após passar pelo Senado, o projeto vai para a Câmara. Apesar de agora começar a andar, a proposta foi criada em 2006.

Para muitos familiares, dever de educar é dos colégios

A artesã e professora particular Diva Vieira Sodré, 52, é paga para ajudar no dever de casa dos filhos de pais que não teriam tempo para essa tarefa. Segundo ela, há casos em que a família acha que a escola tem o dever de educar as crianças porque os pais não têm tempo. A artesã e especialistas avaliam que esse quadro de ‘abandono’ da vida escolar se acentua quando os alunos deixam o ensino infantil.

“Quando eu participo das reuniões da escola da minha filha, vejo que muitas vezes poderia ter cem pais, mas só 20 aparecem, e são sempre aqueles de crianças que não dão problema”, descreveu a artesã, que acompanha de perto a vida escolar das filhas há 27 anos, idade da mais velha.

A caçula de Diva Sodré tem 14 anos e estuda em escola municipal, sempre com a presença da mãe nas atividades.