Saúde

Quase 80% da cocaína que chega a Minas é adulterada 

Estudo leva em conta amostras recolhidas em droga apreendida pela Polícia Federal em nove anos

Por Bárbara Ferreira
Publicado em 28 de setembro de 2016 | 03:00
 
 
Alerta. Para pesquisadores, estudo divulgado ontem serve de alerta para usuários, governos e médicos Foto: PF / Divulgação

Um estudo divulgado ontem pela Polícia Federal (PF) aponta um aumento expressivo de adulteração da cocaína apreendida em Minas Gerais pela corporação. Amostras da droga foram analisadas nos últimos nove anos e se constatou que, em 2007, 78% delas eram “puras”. Em 2016, 79,2% apresentam uma ou mais substâncias diferentes a do entorpecente.

Foram usadas no levantamento 543 amostras e, além de um crescimento significativo de cocaína adulterada, os dados também revelam que as substâncias incorporadas à droga também têm mudado ao longo do tempo. Agora, além das mais comuns cafeína e lidocaína, agentes cancerígenos e muito mais tóxicos, como a fenacetina e o levamisol, estão sendo acrescidos (veja mais detalhes abaixo).

De acordo com o estudo feito por quatro especialistas, essas substâncias são adicionadas para aumentar o volume da droga e os lucros com a sua comercialização. Além disso, elas também podem servir para ampliar ou reduzir os efeitos do entorpecente pela incorporação de produtos mais baratos. “O traficante não está interessado no que o produto vai provocar no dependente, ele só está pensando no dinheiro. Ele vai vender o que ele tiver, por isso, essa questão da adulteração é só lucro para eles”, avaliou Jorge Tassi, especialista em segurança pública e prevenção à violência.

Os pesquisadores também afirmam que o Brasil é o principal consumidor de cocaína da América do Sul e o segundo do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Estima-se que a prevalência de uso de cocaína entre a população adulta brasileira seja de 1,75%.

Amostras. A fenacetina é a substância mais encontrada na cocaína nos últimos anos e a mais nociva. Entre 2011 e 2014, esse mesmo grupo de pesquisadores teve acesso a 642 amostras da droga apreendidas pela PF e, nesse período, 47% apresentavam o adulterante. Antes, de 2007 a 2010, em menos de 2% das porções avaliadas tinha a fenacetina.

Segundo o estudo divulgado ontem, esse aumento no uso da fenacetina se deve, possivelmente, ao custo- benefício que a substância traz. “Ela possui grande semelhança física ao cloridrato de cocaína, de forma que a sua adição à droga pode ser realizada sem quaisquer sinais de modificação a olho nu pelos usuários”, explica a pesquisa. Além disso, esse resultado mostra um dado preocupante, já que trata-se de um agente reconhecidamente cancerígeno e com várias propriedades tóxicas.

O estudo ressalta que a presença dessas substâncias é algo que foge do controle das autoridades. “Por se tratar de um comércio ilícito, não existe nenhum controle de qualidade do produto que chega ao consumidor final e é comum a adição de adulterantes”, afirma a pesquisa. Existem bibliografias que mostram 48 aditivos usados na cocaína.

Na conclusão do estudo, os pesquisadores afirmam que isso deveria servir como um “alerta para os usuários de cocaína, para a comunidade médica e para os governos”. (Com Letícia Fontes/Especial para O TEMPO)

 

Veja quais são as substâncias mais usadas para adulterar a cocaína

Fenacetina. Substância foi introduzida no mercado farmacêutico em 1887, tendo sido o primeiro produto antitérmico sintético a ser utilizado comercialmente. Contudo, muitos casos de tumores pélvicos, renais e no ureter foram relatados por pacientes que utilizavam fenacetina regularmente, o que motivou sua retirada do mercado. No Canadá, foi proibido em 1978, em 1980, no Reino Unido, e em 1983, nos Estados Unidos.

Levamisol. Fármaco anti-helmíntico, que combate vermes, e de uso veterinário. Desde 2000 encontra-se banido nos EUA devido aos efeitos adversos relacionados ao seu uso em humanos. É utilizado na adulteração da cocaína por se tratar de um produto de baixo custo, com propriedades físico-químicas similares à cocaína e por ser acessível como medicamento veterinário.

Lidocaína e benzocaína. Ambas possuem ação anestésica semelhante à da cocaína. Níveis de lidocaína no sangue entre 6 microgramas/mililitro (mcg/mL) e 10mcg/mL são associados a distúrbios visuais, espasmos musculares, inconsciência e convulsões. Já níveis de lidocaína em 15 mcg/mL estão associados ao coma e acima de 20 mcg/mL, à parada cardiorrespiratória.

Cafeína. Substância estimulante do sistema nervoso central, presente em alimentos e em bebidas. Seu uso pode aumentar a toxicidade de substâncias psicoestimulantes por alterar a regulação da temperatura corporal, reduzir o limiar convulsivo e reforçar os efeitos estimulantes da cocaína.

Aminopirina. Fármaco com propriedades analgésicas e anti-inflamatórias. Apresenta como reação adversa grave risco de alteração no sangue.

 

Números

100 % das amostras analisadas em 2015 estavam adulteradas.

85,4% da cocaína analisada pelos especialistas em 2014 estava adulterada.

79,2% da droga em 2016 estava adulterada. Houve queda em relação a anos anteriores.

 

Menos lucro

Redução no plantio da coca motiva alteração da droga

De acordo com a pesquisa divulgada ontem pela Polícia Federal (PF), além das perspectivas de aumentar o lucro, uma das possíveis justificativas para o aumento do uso de substâncias para adulterar a cocaína pode estar relacionada com a redução da área de plantio dos países produtores. Em 2013, o espaço de cultivo chegou ao seu menor índice desde os anos 1980. Além disso, o uso da cocaína combinada a outras drogas lícitas e ilícitas, e à violência a que os usuários estão expostos, aumenta os riscos dessas substâncias à saúde.

“É preciso realizar projetos de informação dessas drogas para a sociedade, para que se entenda o perigo e os efeitos no organismo. É importante também estudar formas de controle dessas substância, o que só seria possível com a legalização. No caso da cocaína, isso seria impensável visto as consequências para o corpo humano. A cocaína destrói o cérebro. No caso de outras drogas, como a maconha, seria necessário discutir melhor as questões com a sociedade”, avalia o especialista em segurança pública e professor da Una, Jorge Tassi.

Ele acredita que o processo de adulteração também pode acontecer com várias outras drogas, como a maconha, por exemplo. “Dependendo das substâncias utilizadas em sua composição, a maconha tem o potencial de viciar o usuário”, conclui.

O estudo da PF ainda sugere que seja criado um sistema nacional de alerta de identificação de novos adulterantes. (BF/LF)