Quase metade das ruas de Belo Horizonte homenageia homens. De 12.507 logradouros analisados pela agência Gênero e Número, com base em dados dos Correios, cerca de 5.800 recebem nomes masculinos, e pouco mais de 2.000, femininos. Isso significa que, para cada mulher, praticamente três homens são homenageados. Até mesmo os endereços que não estão ligados a pessoas específicas ultrapassam a marca das mulheres: são 4.471 homenagens de outros tipos, como a etnias, profissões, cidades, Estados e países. 

O levantamento não considerou todos os logradouros. Segundo a Superintendência de Geoprocessamento Corporativo da Prodabel, órgão ligado à prefeitura, Belo Horizonte tem hoje 15.992 ruas, avenidas, praças e becos distribuídos em 487 bairros. 

Em todas as cidades do país, a atribuição para nomear cada uma dessas vias ou modificar os nomes originais é da Câmara Municipal, que pode optar por homenagear lugares, coisas ou pessoas. A única regra, imposta pela Lei Federal 6.454/1977, é que não sejam usados os nomes de pessoas que ainda estejam vivas ou que tenham ficado famosas pela defesa ou exploração da mão de obra escrava no Brasil. 

Para o professor Tarcísio Botelho, do Departamento de História da UFMG, essa desproporção entre o número de homens e o de mulheres que dão nome a ruas de Belo Horizonte está relacionada ao papel subalterno ocupado pelas pessoas do sexo feminino ao longo de séculos. “Se a gente pegar as ruas que estão dentro da avenida do Contorno, só há dois nomes de mulheres: Marília de Dirceu e Bárbara Heliodora. E, mesmo assim, elas entram como musas dos poetas do século XVIII, não enquanto pessoas”, aponta. 

Só neste ano de pandemia e troca nos quadros da Câmara foram apresentados pelos vereadores 12 projetos de lei relacionados à nomeação de ruas, praças e avenidas de Belo Horizonte. 

Como a cidade foi planejada, as vias que já existiam na data da inauguração de Belo Horizonte, 12 de dezembro de 1897, já haviam sido nomeadas pela Comissão Construtora da capital. 

Na planta, a previsão era nomear ruas e avenidas com nomes de pessoas e valores que representassem o momento histórico, pouco depois da Proclamação da República. E também personalidades que foram decisivas para efetivar a construção da cidade, como o governador de Minas Gerais em 1892, Afonso Pena – que em 1906 foi eleito presidente do Brasil –, e o governador Bias Fortes. Foram feitas, ainda, alusões a datas e a elementos que valorizassem o Brasil: nomes de povos indígenas, rios, localidades mineiras e outros Estados.

Segundo dados da Câmara Municipal de Belo Horizonte, a avenida João Pinheiro de hoje, por exemplo, era avenida da Liberdade. A praça Diogo de Vasconcelos (também conhecida como praça da Savassi) era a praça 13 de Maio, dia da assinatura da Lei Áurea. A Francisco Sales era avenida Araguaia. 

Botelho lembra que, no perímetro da avenida do Contorno, a lógica de nomeação das ruas é a dos Estados, populações indígenas e heróis do período colonial, como os bandeirantes e os inconfidentes. “Depois, vieram homenagens aos políticos, como Afonso Pena, Augusto de Lima, Alfredo Balena – nomes da Primeira República, quando as mulheres não tinham muito espaço”, completa. 

Além de nomear vias novas ou que nunca chegaram a ter uma denominação oficial, os vereadores também podem propor a mudança de nome de vias que reconheçam figuras que, segundo entendimento atual, não devem ser destacadas.

Humberto Castello Branco, primeiro governante do Brasil durante a ditadura militar, batizava um importante elevado da capital, que liga as avenida Pedro II e Bias Fortes. Em 2014, o viaduto passou a ser denominado Dona Helena Greco, em homenagem à ativista dos direitos humanos e primeira mulher a se tornar vereadora em Belo Horizonte.

Ruas de BH em números

- 47% do nomes dos logradouros é de homens

- 17% dos nomes são de mulheres

- 36% homenageiam outras coisas como etnias, cidades, Estados, países, profissões, entre outros

Rios e córregos deságuam problemas históricos

Bonsucesso, Cercadinho, Piteiras, Pintos, Leitão, Acaba-Mundo, Cafundó, Ferrugem, Tejuco, entre outros. Além das ruas, conhecer sobre os ribeirões e córregos que atravessam Belo Horizonte é saber mais sobre a história da cidade e problemas que afetam a vida dos moradores. 

Quando o Arraial do Curral del Rei foi escolhido para sediar a nova cidade, uma das preocupações da Comissão Construtora era a disponibilidade hídrica. Os cursos d’água que atravessavam a região foram considerados uma vantagem. 

Poucos anos depois, no desenvolvimento da planta da cidade, porém, a relação com as águas já mudou completamente. “Os cursos d’água eram vistos como um entrave ao desenvolvimento pleno do tecido urbano da capital. Só o ribeirão Arrudas foi inserido na planta como um elemento de localização geográfica e de embelezamento da paisagem urbana”, afirma o professor e pesquisador Alessandro Borsagli, autor do livro “Rios Invisíveis da Metrópole Mineira”.

Para os demais afluentes e córregos, o destino foi a canalização, que criou uma rede fluvial escondida sob o asfalto em vários pontos de Belo Horizonte. 

Segundo Borsagli, essa escolha está relacionada ainda a um viés de especulação imobiliária, já que os trechos canalizados ampliam a quantidade de lotes disponíveis para venda e ocupação na cidade. “É uma relação de convívio e ruptura, entre a cidade e sua rede hidrográfica – tão importante para a escolha do sítio, mas tão maltratada pela própria cidade, que deu as costas para essas águas”, completa. Hoje, 124 anos depois, a consequência dessas escolhas se materializa na forma de enchentes e alagamentos, que exigem novas soluções por parte do poder público.