Abuso

Um cafezinho por segurança

Comerciantes negam interesse por trás de gentileza, e Polícia Militar se cala

Por FLÁVIA MARTINS Y MIGUEL
Publicado em 29 de junho de 2011 | 21:11
 
 
Comerciantes negam interesse por trás de "gentileza", e Polícia Militar se cala DANIEL IGLESIAS

Ver uma viatura parada na porta de uma padaria é cena comum nas ruas de Belo Horizonte. Isso porque a cultura do cafezinho e do pão de queijo de graça para os policiais militares já está enraizada entre os comerciantes da capital que buscam em troca da gentileza a garantia de policiamento e, consequentemente, maior segurança.

A reportagem de O TEMPO percorreu ontem 11 padarias da cidade e ouviu comerciantes que confirmaram que o lanche de graça para os policiais é comum e aceito sem a menor cerimônia - eles chegam a frequentar as panificadoras cerca de quatro vezes por semana.

Os proprietários reconhecem que a presença da viatura inibe a ação dos criminosos mesmo que momentaneamente e, por isso, é bem-vinda. Mas eles negaram que ofereçam as refeições esperando proteção. "Não vou cobrar um lanche deles, né? Sempre foi assim. Mesmo porque assalto aqui é direto, não significa que estou mais seguro", contou o comerciante Geraldo Silva, dono de uma padaria no bairro União, região Nordeste. Todos os comerciantes ouvidos foram vítimas de assaltos recentes - um deles foi roubado 37 vezes em seis anos.

Em um dos estabelecimentos onde os policiais foram flagrados lanchando sem pagar a conta, a cortesia do dono da padaria rendeu uma conta no valor de R$ 15. O estabelecimento fica no bairro Tirol, na região do Barreiro. Quatro militares estiveram lá na tarde de ontem e comeram pizza e pão e tomaram sucos e refrigerantes. Eles saíram sem pagar. O dono, Osvaldo Heleno, disse que é apenas uma "gentileza para os amigos".

"Eles vêm aqui sempre, a gente conhece eles. E não garante segurança porque sábado passado a gente foi assaltado aqui. Foi de dia. Levaram dinheiro, estavam armados", contou Heleno.

Em alguns casos, a convivência não é tão harmônica. Há dois anos gerenciando a própria padaria, no bairro Cidade Nova, na região Nordeste, um comerciante que preferiu não se identificar confessou ter tido problema com abusos cometidos por policiais na hora do consumo gratuito. "Um sargento começou a pedir um litro de refrigerante, sanduíches e sobremesas. Cortei isso. Agora aparecem dois policiais e sempre dou um lanche simples", contou.

Legalidade. A assessoria de imprensa da Polícia Militar foi insistentemente procurada pela reportagem durante toda a tarde de ontem. No entanto, ninguém foi encontrado para falar sobre a prática. Nenhum policial respondeu se aceitar o cafezinho oferecido pelos comerciantes é uma prática legal ou prevista de alguma maneira no código de conduta da polícia.