Sem estrutura

Um celular para três filhos estudarem inviabiliza educação

Lucimara Valadares torce pelo retorno das aulas para que a filha de 7 anos aprenda a ler

Por Cinthya Oliveira e Letícia Fontes
Publicado em 20 de agosto de 2021 | 10:40
 
 
Precariedade. Na casa de Luciamara Valadares, é apenas um celular para três dos quatro filhos, de 7, 9 e 12 anos, estudarem remotamente Foto: Uarlen Valério/O Tempo

A volta às aulas presenciais é mais urgente para as famílias de baixa renda, que não tiveram as mesmas oportunidades de acompanhar aulas remotas. Na casa de Lucimara Valadares, 28, é apenas um celular para os três filhos em idade escolar, de 7, 9 e 12 anos, estudarem. Com a volta parcial das atividades no último mês em Belo Horizonte, a dona de casa já consegue enxergar uma luz no fim do túnel mesmo sabendo que o caminho é longo.

“Fiquei quase dois anos com a minha menina de 7 anos sem saber ler. Eu me desesperava, chorava, porque eu não conseguia ensinar, mas em duas semanas as professoras conseguiram fazer o que eu não pude esse tempo todo. Ela já juntou várias sílabas depois que pôde ir para escola”, conta a moradora do aglomerado da Serra, que concluiu apenas o ensino fundamental e tem mais uma filha, que ainda não está na escola.

Lucimara conta que o celular não tem mais espaço pa- ra os aplicativos e conteúdos enviados pelos professores, por isso precisa apagar o material para poder receber mais. “Eu não quero para eles o que eu passei. Eu quero que eles estudem e tenham condições para isso, sem precisar trabalhar ou ter filhos no meio do caminho, porque até para quem é estudado não tá fácil”, lamenta.

A expectativa da ampliação das aulas presenciais existe também entre as famílias que contam com o acesso remoto. Um exemplo é a dentista Martina Gravito, 40, que não vê a hora para que os filhos de 5 e 13 anos voltem para o ensino presencial todos os dias. “Eles já voltaram alguns dias, e a melhora foi até na saúde mental de todos aqui em casa. Tivemos problemas comportamentais em função do isolamento e, mesmo com receio, vi que a melhor solução era voltar. Eles estão indo uma vez por semana, mas gostaria muito que fosse mais”, relata.

SEM RETORNO.

A Prefeitura de Belo Horizonte não tem estimativa da evasão escolar durante a pandemia, porque os alunos que já estavam matriculados em 2020 permaneceram assim em 2021. No ano anterior, a evasão escolar na rede municipal havia sido calculada em 0,5%.

Mesmo sem os números, a Secretaria Municipal de Educação afirma estar fazendo um trabalho de busca ativa para aqueles casos em que os estudantes não devolvem as atividades com a regularidade devida ou que o aluno não foi localizado, por alguma mudança de endereço. “Com o retorno das atividades presenciais, temos conseguido localizar casos de estudantes que não retornaram e que passam a ser também alvo das ações efetivas de busca ativa”, diz a secretaria. As ações são feitas pelas escolas por meio de telefonemas, envio de carta registrada, comunicação por meio de WhatsApp e até visita domiciliar.

A pasta diz ainda que esse trabalho é realizado conforme a realidade em que a escola está inserida. “A possível evasão, em razão da interrupção das atividades presenciais, é um desafio para a educação nesse contexto trazido pela pandemia, e as escolas municipais têm feito um trabalho voltado para a realidade da comunidade atendida e o contexto do território em que se localiza”, afirma a secretaria. 

Fora da escola. Em 2019, antes da pandemia, a Pnad Contínua já indicava que 36,5% dos jovens com 19 anos ainda não haviam terminado o ensino médio. Trabalho, falta de interesse e gravidez foram os motivos mais apontados por jovens de 14 a 29 anos que deixaram a escola, segundo levantamento da plataforma Juventude, Educação e Trabalho (JET).

Cuidados especiais para adolescentes
Professor da Uemg e vice-presidente da Associação Profissionalizante do Menor (Assprom), José Eustáquio Brito alerta para a necessidade de uma atenção maior para os adolescentes. Segundo ele, antes da pandemia esse grupo já vinha passando por um sério problema de evasão, e a pandemia pode ter intensificado isso.

“Na Assprom fazemos um acompanhamento da escolarização e do desempenho escolar e percebemos que, desde o ano passado, caiu muito o número de adolescentes que apresentaram as declarações de matrícula e desempenho. Esse dado é uma mostra da redução na frequência escolar”, revela o professor.

As consequências, segundo Brito, não são apenas para o mercado de trabalho. “A preocupação é sobre como os jovens vão lidar com o mundo que os desafia, não somente no campo profissional, mas com todas as exigências da vida no momento. Isso não diz respeito somente ao poder público, mas a toda a sociedade”.