Foi há cerca de dois anos que o então doador de sangue Moisés Martins, 24, foi informado que seu sangue não poderia ser mais usado devido a uma portaria do Ministério da Saúde, de 2016, que considera temporariamente inaptos homens homossexuais que tenham tido relação com outros homens nos 12 meses que antecedem a doação. O impedimento fez com que estudante o denunciasse a Fundação Hemominas no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A proibição tem movido debates no Brasil, como o que ocorre hoje, às 15h30, na Assembleia Legislativa de Minas, que analisa projeto de lei do deputado Cristiano Silveira (PT), que pretende pôr fim à restrição no Estado. A reivindicação é que doadores como Moisés não sejam eliminado no questionário inicial.

Ele foi barrado acompanhado do namorado. “Falei que era homossexual. Nunca menti e antes eu doava. A enfermeira disse que, se eu voltasse a me relacionar com mulher, poderia doar. Me senti impotente de não fazer algo defendido até por campanhas. Se alguém da minha família precisar, eu não poderei ajudar? Não é razoável”, disse.

Segundo a gerente de captação e cadastro da Hemominas, Viviane Guerra, a restrição tem embasamento. “A fundação segue as normas do Ministério da Saúde, baseadas em estudos epidemiológicos e no potencial de risco que o ato sexual dessa forma promove. Não é a orientação, é o cuidado do processo. Acontece também com quem tem tatuagem”, disse.

Os critérios se baseiam em dados de transmissão do vírus da Aids, segundo o médico infectologista e professor da UFMG Unaí Tupinambás, e precisam ser rediscutidos para que o preconceito seja diminuído. “Qualquer relação sexual desprotegida tem seus riscos. Não há grupos imunes. A maior vulnerabilidade se deve a práticas como sexo anal desprotegido”, detalhou. 

Governo. O Ministério da Saúde informou que a inaptidão vale também para cirurgias e exames invasivos, além de ingestão de certos remédios, por exemplo. 

Mundo. A medida atende recomendações da Organização Mundial de Saúde, fundamenta-se em dados epidemiológicos e não tem relação com preconceito ou orientação sexual, segundo a pasta. 

Média de doações caiu

Somente 420 mil pessoas são habituais doadoras de sangue em Minas Gerais – somente 2% da população, aproximadamente. Embora o índice seja maior que a média nacional, que é de 1,6%, está abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de haver entre 3% e 5% da população doando sangue.

A Fundação Hemominas sente os reflexos disso. Os mais de 20 centros espalhados pelo Estado operam com queda de 30% nas doações de sangue dos tipos negativos em relação à média. A situação mais crítica diz respeito ao O -, que neste início de mês está com estoque 49% mais baixo que a média.

Os mineiros têm atendido as campanhas, mas ainda é preciso melhorar, segundo a gerente de captação e cadastro da Fundação Hemominas, Viviane Guerra. “O sangue é diferente dos outros remédios: a gente não produz nem tem como comprar. Depende da solidariedade das pessoas, que compreendem a responsabilidade sobre a saúde dos outras”, afirmou Viviane.

Proibição preocupa pacientes

A proibição de doação de sangue por homossexuais e as outras muitas restrições do Ministério da Saúde dividem aqueles que precisam de doações, como é o caso da advogada Janaína Siqueira, 32, que tem uma doença autoimune e precisa de doações regulares por mês. “Eu entendo e apoio que precise ser seguro. Não acho que o sangue tem que ser doado e vir para mim. Mas todo sangue tem que ser analisado. Sabemos que o do homossexual pode não estar infectado, então por que não analisar? É muito empecilho para algo que falta. Se estivesse sobrando, ok”, afirmou. 

Entrevista com Cristiano Silveira (PT)

Por que esta audiência pública está sendo feita?

Eu acho que o Estado tem um comportamento extremamente discriminatório e homofóbico quando faz a pergunta, para fins de aceitar ou não a doação, se o sujeito homossexual teve uma relação sexual com outro homem. Isso, no meu entendimento, é uma medida totalmente preconceituosa e ultrapassada, porque hoje não se fala mais em grupos de risco, então entendo que isso não cabe mais no século XXI. A ideia é tratar isso e defender nosso projeto de lei. Nós vamos realizar um debate científico, médico e social.

Que projeto de lei é esse?

O PL 5.207/2018 proíbe qualquer conduta discriminatória no momento da entrevista para falar sobre doação sangue. Essa pergunta não vai existir, é algo que não cabe. No nosso projeto, não há nenhum questionário sobre a conduta sexual da pessoa. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça, aguardando parecer. Se a constitucionalidade não for questionada, ele passa a valer. A aprovação dele é importante para fortalecimento, inclusive, da luta.

Para você, qual a importância disso?

É importante porque não cabe mais nenhuma postura homofóbica na sociedade, especialmente por parte do Estado. Se o homossexual quiser doar sangue, se quiser salvar a vida de alguém, ele tem que mentir. Acho que hoje temos tecnologia suficiente para fazer análise do sangue. Não há mais grupo de risco para ser levado em consideração.