Basta!

Vítimas de violência passam a contar com banco de emprego

Lei 23.680 que entrou em vigor em 2020 será colocada em prática pelo Estado em novembro

Por Alice Brito e Aline Diniz
Publicado em 30 de outubro de 2021 | 04:00
 
 
Francisca Maria da Silva hoje tem bufê e uma horta solidária Foto: Arquivo Pessoal

Francisca Maria da Silva, 57, mais conhecida como Xica, viveu a violência doméstica durante dez anos. Logo depois do nascimento da primeira filha, seu ex-companheiro não a deixou mais trabalhar. “Nesses dez anos, foram 88 pontos no rosto, dois no olho esquerdo, além de perfurações no seio esquerdo. Tive ainda dois abortos obrigatórios (o ex-marido a fez tomar remédios)”, relata. Ela tentou se separar oito vezes, mas tinha medo de não ter como sustentar as três filhas
 
Assim como ela, outras milhares de mulheres vivem à beira da morte por conta da dependência financeira. Para dar chance de libertação a elas, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejups) vai colocar em prática no próximo mês a Lei 23.680/2020, que cria um banco de emprego para vítimas de violência doméstica. A iniciativa foi batizada de “A Vez Delas” e conta com participação da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-BH). 
 
No dia 15 de novembro, as empresas interessadas poderão se cadastrar como parceiras e ofertar as vagas. Dez dias depois, as oportunidades já estarão disponíveis, e as mulheres poderão procurar qualquer equipamento da rede de enfrentamento à violência de gênero para solicitar o cadastramento no banco de empregos

Cenário da violência doméstica

Dados da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejups) mostram que, das 70.450 mineiras que procuraram uma delegacia para registrar queixa de violência doméstica entre janeiro e junho deste ano, 16.133 (22,8%) não conseguiam se desvencilhar de seus abusadores por falta de autonomia financeira.“O emprego representa mais do que a renda, mas o empoderamento e uma nova perspectiva de vida para essas mulheres”, afirmou a deputada estadual e criadora do projeto que virou lei, Ana Siqueira (Rede). 
 
Xica é exemplo vivo disso. Depois de ficar internada no Hospital João XIII, ela decidiu colocar um fim no relacionamento abusivo. Desde 2000, ela passou a trabalhar em um bufê, junto com várias vítimas de violência, como parte do projeto Mulheres em Movimento. “Sempre falo para elas perceberem suas habilidades e não pararem de trabalhar”, disse ela, que hoje é chef de cozinha e tem também uma horta solidária em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de BH.

CDL-BH quer buscar vagas no interior
 
O presidente da CDL-BH, Marcelo de Souza e Silva, disse que atualmente o órgão possui em BH mais de 13,5 mil empresas associadas. A intenção é que todas abracem a causa. “A CDL fará a conexão dessas mulheres com as empresas, que terão o papel de capacitá-las para a função” afirmou Silva. 

Ele conta que parcerias já estão sendo fechadas para que o projeto seja levado o mais rápido possível para mais 200 cidades mineiras. “Dessa forma, vamos abranger todo o Estado e criar uma rede de trabalho e apoio,” pontuo Silva. 

Minientrevista

Kíria Orland
Delegada especializada da mulher
 
O que a senhora acha dessa iniciativa?Eu vejo de modo muito positivo. Precisamos entender que essas mulheres vivem sob uma dupla forma de dependência: a primeira emocional, psicológica, que vincula essas mulheres a esses agressores sob uma falsa ideia de proteção. A segunda é a dependência econômica, porque a cultura machista empurra essas mulheres exclusivamente para o cuidado do lar e dos filhos. 

A iniciativa pode contribuir para que mais mulheres rompam ciclos de violência? A partir dessa análise, então, eu creio que sim, que esse projeto vai contribuir para que mais mulheres rompam ciclos de violência doméstica, na medida em que, ultrapassada a barreira da dependência emocional, a barreira da dependência financeira poderá ser suprida com vaga de emprego que ela dificilmente conseguiria sem a existência de um banco de dados específico pra isso.

Qual é a maior barreira atualmente para as vítimas?Eu percebo que a dependência emocional é a maior barreira para que mulheres saiam desses relacionamentos. (Manuel Marçal)