Diante de uma pandemia sem controle e das variantes do novo coronavírus, a empresária Márcia Machado passou a redobrar os cuidados em casa. Aumentaram as internações pediátricas – só em BH, o número de crianças e adolescentes nos leitos praticamente dobrou nos primeiros dias de março em relação a dezembro –, e cresceu ainda mais a preocupação com o filho dela, de 6 anos.
“Uma das coisas que eu ainda estava permitindo eram as idas à casa dos avós, e precisei evitar. O cuidado com a questão das máscaras, a higienização das mãos e o isolamento social foram redobrados, e também o tirei de aulas de extensão”, conta. A situação levantou outra questão: o efeito das vacinas contra a Covid-19 na faixa de idade até os 14 anos. “Tenho visto muitas mães ansiosas, já exaustas dessa pandemia. E acredito que eles (os filhos pequenos) serão os últimos”, frisa. Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que isso deve se confirmar, sobretudo por não haver certeza da segurança das vacinas no organismo de crianças.
Por conta dos baixos índices de contaminação e de desenvolvimento de casos graves, o público infantil ficou fora dos primeiros estudos clínicos, priorizando-se os mais afetados. Segundo o epidemiologista e presidente do Departamento Científico de Imunização da Sociedade Mineira de Pediatria, José Geraldo Leite Ribeiro, as pesquisas só foram iniciadas neste ano: “Os testes, tanto da Pfizer quanto da Moderna, da Oxford e da Jonhson, por exemplo, ainda são realizados em grupos muito pequenos, de 600 pessoas. Serão necessários estudos com até 60 mil para comprovar a segurança dos imunizantes e também medir a produção de anticorpos com a aplicação da vacina”.
Ele garante que não há evidências de que as novas variantes do coronavírus sejam piores para o público infantil. “Como elas têm um poder de transmissão maior, são responsáveis por aumentar o número de casos em todas as idades. Proporcionalmente, o índice de crianças afetadas é o mesmo”, pontua. O grupo com até 14 anos não representa nem 2% das internações atuais e casos graves, segundo o Ministério da Saúde.
Coadjuvantes
O médico lembra que números da pandemia apontam que as crianças não exercem papel importante na disseminação da Covid-19, diferentemente de como ocorre na gripe. “Provavelmente, vamos vacinar primeiro os adultos, após o grupo prioritário; depois, jovens e adolescentes; e, no fim, as crianças, a não ser que ocorra alguma mudança na epidemiologia da doença”, diz.
Para Renato Kfouri, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, mesmo com riscos menores de casos graves, esse grupo deve ser vacinado para se conter a pandemia: “Por isso, os estudos começaram. Na pediatria, temos também portadores de fatores de risco e doenças crônicas”, pondera.
Testes com resultados otimistas
Testes feitos com a Coronavac apontaram que a vacina é segura e produz reações imunológicas em crianças e adolescentes. Os resultados foram divulgados pela chinesa Sinovac Biotech na última semana. Os estudos ocorreram com 500 pessoas entre 3 e 17 anos que receberam duas doses ou um placebo. No caso das crianças entre 3 e 11 anos, a dose menor induziu reações de anticorpos favoráveis, e, na faixa entre 12 a 17 anos, a dose média teria funcionado bem.
O imunizante AstraZeneca iniciou testes clínicos no Reino Unido, mas ainda não divulgou conclusão preliminar. A Fiocruz, responsável pela importação e pela produção do insumo, informou que “não está envolvida em nenhum grupo de pesquisa sobre vacinação nessa faixa”.
A Pifzer anunciou ontem que está em curso um estudo global para a aplicação de sua vacina contra a Covid-19 em crianças. Segundo funcionários, crianças de até 6 meses já receberam a injeção inicial da vacina Pfizer-BioNTech como parte do teste. O estudo deve contar com 144 participantes nessa fase, que vai determinar a dosagem adequada para cada faixa etária: 6 meses a 2 anos; 2 anos a 5 anos; e 5 anos a 11 anos. Três diferentes dosagens da vacina serão testadas em cada faixa etária, começando pela mais velha.
Por meio de nota, o Ministério da Saúde alegou que “acompanha e financia estudos para analisar a efetividade e a segurança das vacinas em menores de 18 anos”. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que não há estudos autorizados no país para testes de vacinas com crianças e adolescentes.
Proteção de outros imunizantes
Nos EUA, pesquisa recente apontou que crianças imunizadas contra a gripe apresentaram menos chance de desenvolver sintomas da Covid-19. Outras vacinas, como BCG (contra a tuberculose) e tríplice viral (contra sarampo, rubéola e caxumba), também teriam efeitos protetores contra o vírus. Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Pediatria, ressalta que essas pesquisas ainda são preliminares. “Não há nenhuma evidência concreta. São só especulações de que essas vacinas poderiam poupar as crianças”, diz.
Já o professor André Ricardo da Silva Araújo, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, apresenta outra hipótese: “Nessa faixa etária, existe uma competição entre os vírus, em que um prevalece ou não. Para a criança, o coronavírus não é o vírus, mas só mais um entre tantos. O que temos visto são alguns casos leves, em que a criança fica internada dois ou três dias”.
O país registrou cerca de 400 óbitos entre menores de 1 ano (0,2% do total), menos de 200 entre 1 e 5 anos (0,1%) e pouco mais de 650 de 6 a 19 (0,3%).