Audácia

“Alô aposentado, que tal você conhecer o Leste Europeu?” 

Para fisgar beneficiários do INSS, telemarketing de bancos até sugere como gastar o empréstimo

Dom, 01/06/14 - 03h00
Na mira. Fátima Oliveira recebeu oferta de crédito antes mesmo de se tornar aposentada oficialmente | Foto: JOAO GODINHO/ O TEMPO

Toca o telefone fixo. De um lado da linha, um recém-aposentado ou pensionista, ou que ainda está prestes a se aposentar. Do outro, uma voz simpática oferece um limite pré-aprovado para empréstimo com juros baixos e desconto em folha. Quem liga sabe o CPF, o endereço, o valor do benefício e até o banco onde ele será depositado. Quem atende não tem a chance de recusar rapidamente antes de ouvir sugestões mirabolantes de como aquele dinheiro, que o aposentado ainda nem tem, pode ser gasto. “A senhora pode não estar precisando, mas não gostaria de reformar sua casa ou trocar de carro? E que tal conhecer a Europa? Dizem que o Leste Europeu é lindo!”

É assim para milhares de aposentados e tem sido assim para a médica Fátima Oliveira, 60, desde janeiro, quando se aposentou. Antes mesmo de qualquer comunicado do INSS sobre a efetivação da sua aposentadoria, ela recebeu uma ligação oferecendo crédito consignado. “Eu disse que minha aposentadoria ainda nem tinha saído, mas a moça me contou que já tinha saído sim e citou a data da homologação. Ela sabia o banco onde iriam me pagar e até os centavos do que eu iria receber”, conta a médica.

Essa foi apenas a estreia de um festival de ofertas. Desde então, Fátima recebe ligações quase que diariamente. “Me ligam de bancos de todo o país. Bancos com os quais eu nunca tive nenhum tipo de relacionamento. Quando eu digo que não preciso de empréstimo, elas vêm com as propostas mais absurdas. Outro dia, me disseram que, se eu não estava precisando, alguém da minha família poderia estar. Também me propuseram viajar para a Europa. O assédio é pesado e induz as pessoas a terem necessidades que na verdade elas não têm”, afirma Fátima.

Não sabe de nada. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) diz que não sabe como os bancos têm acesso aos detalhes da vida financeira. “Não sabemos como eles conseguem. Só sabemos que o INSS não repassa informações dos seus beneficiários para ninguém e nem para nenhuma instituição financeira”, respondeu, por nota.

Os bancos confirmam que o contrato com o INSS não prevê repasse de informações pessoais dos beneficiários. Em relação às ligações, eles se esquivam da responsabilidade do assédio. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) explica que não se manifesta em relação à atuação dos bancos, que deveriam ser procurados individualmente. Dos que responderam à reportagem, dois explicaram que não é praxe fazer esse tipo de abordagem. Um deles justificou que tem 50 mil representantes, e não tem como controlar o discurso dos agentes.

FRASES

“No primeiro telefonema eu descobri não só que eu já estava, mas quando e quanto eu ia receber, o direito a valores retroativos e o dia que estaria liberado na minha conta. A moça me deu até os centavos, e estava tudo certinho.”

Fátima Oliveira, 60, Médica, aposentada desde janeiro de 2014


“Na época do Natal, ofereceram empréstimo e disse que não precisava; a moça sugeriu que eu pegasse para comprar presentes para família e amigos”

Verônica Santos, 68, Professora aposentada

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