Mobilidade

Aluguel vira opção em aplicativos, mas força jornada de 14 horas

Motoristas de app desembolsam, em média, R$ 400 por semana pelos veículos das locadoras

Por Fábio Corrêa e Raquel Penaforte
Publicado em 17 de junho de 2019 | 03:00
 
 
Há cerca de 65 mil motoristas de aplicativos em BH e região Foto: Denilton Dias – 12.5.2016

Num país que já soma 13,2 milhões de desempregados, segundo números do IBGE do último trimestre, os aplicativos de transporte se colocam como uma opção real para quem está fora do mercado de trabalho formal. De olho nessa tendência, locadoras de veículos e empreendedores têm investido no aluguel de carros para quem quer entrar na atividade, mas não tem automóvel, ou não possui um compatível com as exigências dos apps. Há ainda casos de quem não quer depreciar o próprio veículo.

Na outra ponta, motoristas se dividem entre quem vê na locação do carro uma facilidade, pela economia com custos de manutenção e quem se desdobra ao volante, em jornadas extenuantes, para conseguir quitar os débitos com o aluguel desse veículo.

Foi o caso de Joaquim José Alves, 39. O morador do bairro Granja de Freitas, na região Leste de Belo Horizonte, chegou a rodar 48 horas seguidas para conseguir adiantar os R$ 450 semanais devidos pelo aluguel de um Fiat Uno. “Saí numa sexta-feira, às 7h30, e só parei às 7h30 do domingo, quando dormi no volante e bati o carro em Pedro Leopoldo”, lembra ele. Na ocasião, ocorrida há pouco mais de um mês, ninguém se feriu, mas Alves ficou com uma franquia para pagar de R$ 6.000 por causa da batida.

O acidente foi um divisor de águas para o ex-comerciante, que resolveu dar um tempo dos aplicativos. “Nos dias normais, saía, deixava meu filho na escola às 7h30 e ficava na rua até meia-noite, 1h. Foi uma experiência péssima. Você não tem vida familiar, não tem lazer, nada. Trabalha para aplicativo e o aluguel. Mal, mal, come e bebe”, desabafa Joaquim Alves, que teve de devolver o carro após a locadora descobrir, por meio de rastreamento, que ele dividia o veículo com outra pessoa – prática liberada por outras empresas.

A rotina pesada também é uma realidade para Felipe Lemos, 32. O representante de vendas, que está buscando uma recolocação no mercado, roda de 12 a 14 horas por dia – das quais oito horas são apenas para pagar os R$ 58 da diária do aluguel, mais os R$ 30 de combustível. “A única alternativa que a gente tem é essa. O negócio é cair de cara e correr atrás, já que a gente tem dívida, filho e contas para pagar”, explica Lemos, cujo objetivo é conseguir dar entrada num financiamento para adquirir um carro próprio e voltar à carteira assinada.

Por outro lado, há quem veja o aluguel como uma alternativa melhor até que colocar o veículo próprio na rua. “Não quero ter carro nunca mais”, confidencia Carlos Eduardo Pereira, 37. “No carro próprio, você tem alguns problemas que, no caso do veículo alugado, você não tem, como troca de óleo, pneu, embreagem e todas essas coisas. Além do que, quando você tem que dar manutenção, fica sem rodar. Se houver qualquer problema, a locadora fornece outro carro novo”, conta ele, que tem um veículo próprio na garagem, e diz faturar 70% a mais desde que começou a alugar.

Renda caiu de R$ 2.500 para R$ 1.000 após venda de carro

Joaquim José Alves entrou para os aplicativos depois do insucesso com uma loja de artigos esportivos e móveis, que fechou no primeiro semestre do ano passado. Por ter, até aquele momento, um carro mais antigo, ele acabou optando, seis meses depois, por alugar um veículo.

“Quando tinha veículo próprio, eu ganhava cerca de R$ 2.500, isso com as contas de casa e com o que gastava com a manutenção. E ainda folgava um dia por semana. Com o carro alugado, era R$ 1.000, sem contar com as compras do mês – e sem folgar”, conta.

O motorista relembra o acidente que teve ao dormir ao volante por causa de carga excessiva de horas trabalhadas. Ele conta que rodou dois dias seguidos depois de ter atrasado alguns dias no pagamento para a locadora. “Eles não paravam de me pressionar, e eu resolvi ter os R$ 450 para pagar logo na segunda-feira de manhã”.

Aluguel ou financiamento representam 3/4 da categoria

Um levantamento feito em fevereiro do ano passado por Warley Leite, 37, junto a 2.200 motoristas de aplicativo da capital mineira mostrou que 23,7% deles rodavam em carros alugados, 25,8% tinham o veículo próprio quitado e 49,5% o financiavam – caso do próprio Warley, que começou alugando e hoje financia.

“Eu pagava R$ 1.800 de aluguel por mês. Hoje, pago R$ 900 de financiamento. É claro que tem a parte da manutenção, mas vale mais”, diz ele, que está à frente do Clube do Motorista – que oferece serviços como assessoria jurídica a condutores de aplicativo. “Quem ganha no mercado é quem aluga o carro, o próprio aplicativo e o passageiro. E tem muita gente que viu no aluguel uma forma de garantir a própria renda”, afirma.