Passar o Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, para as mãos da iniciativa privada poderá não ser tão simples como o governo Bolsonaro deseja. O problema, na avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem de O TEMPO, é a vocação regional destinada ao terminal – pouco atraente para investidores. “A incerteza com relação aos aviões de grande porte deixa o aeroporto menos atrativo”, diz o advogado Leonardo Militão, mestre administração pública pela Fundação João Pinheiro.
O coordenador do curso de economia do IBMEC/BH, Márcio Salvato, também destaca que o perfil regional pode não interessar aos investidores. “Pampulha é um caso que merece um destaque, nós temos uma legislação hoje que faz com que esse aeroporto seja considerado apenas regional e, por certo, sendo apenas regional, ele não tem tanta atratividade”, analisa Salvato.
A retomada de voos comerciais no terminal virou uma verdadeira batalha a partir de maio de 2017 e ainda não teve uma definição. Em dezembro do ano passado, o CEO da Zurich Airport Latin America, uma das administradoras do aeroporto de Confins, o suíço Stefan Conrad, ameaçou deixar o negócio, vendendo a participação no terminal, caso essa possibilidade aconteça, o que poderia trazer um prejuízo de 2 milhões de passageiros. Enquanto isso, investimentos no aeroporto da região metropolitana de Belo Horizonte continuam travados. No último dia 21, o secretário de Aviação do Ministério da Infraestrutura afirmou que a Infraero, que administra o terminal, “será fechada” nos próximos anos.
Críticas
Interlocutor da Associação dos Bairros Jaraguá e Dona Clara, na região da Pampulha, Rogério Carneiro de Miranda afirma que, sob a administração da Infraero, o aeroporto da Pampulha já causa impactos negativos na vida dos moradores próximos ao terminal. “O aeroporto opera fora das normas”, diz ele, acrescentando que, para adequar o terminal, os investimentos devem ser altos.
“Além do custo para deixar o aeroporto em condições adequadas, acredito que a rentabilidade não deve ser alta. Logo, o aeroporto não deve ser tão interessante para o investidor”, analisa Miranda.
Para o representante dos moradores, o problema vivido hoje é fruto da falta de planejamento. “Deixaram construir moradias nas proximidades do aeroporto. O crescimento dele não foi pensado”, argumenta.
Já o coordenador do Núcleo de Logística, Supply Chain e Infraestrutura da Fundação Dom Cabral (FDC), o professor Paulo Resende, diz que, para o aeroporto da Pampulha ser atrativo, devem ser levados em consideração vários aspectos, entre eles, desenvolver um modelo de concessão que melhor acomode as expectativas de investimentos por parte da concessionária, além de não concorrer com Confins. “Pois isso pode canibalizar ambos os aeroportos e resultar em risco para os investidores”, defende.
Ele acrescenta que é necessário pensar a Pampulha de maneira diferente, “fora da caixa”, com bastante criatividade e transformá-lo em um aeroporto encaixado em estratégias turísticas.
Déficit de quase R$ 2 bi em 2017
O governo vem desde 2012 concedendo os aeroportos mais lucrativos da Infraero, empresa pública que foi inaugurada em 1973, durante o governo Médici. Nesses sete anos, já foram para a iniciativa privada dez terminais da estatal. Em 15 de março de 2019, devem ser leiloados outros 12 aeroportos administrados por ela.
Em 2017, já se cogitava privatizar o aeroporto da Pampulha e também o Carlos Prates, ambos em Belo Horizonte. Eles fariam parte de um pacote que incluiria Santos Dumont e Macaé, no Rio de Janeiro, e o de Vitória, no Espírito Santo.
Na ocasião, o então ministro dos Transportes, Maurício Quintella, declarou que a primeira e a segunda rodada de concessões tiraram da Infraero o filé. “A perspectiva a partir de agora é fazer concessões em bloco: aeroportos superavitários com deficitários. Para quem levar o filé levar o osso também”, disse.
O fato é que a Infraero acumula prejuízos. No último balanço, de 2017, o déficit foi de R$ 1,83 bilhão, 44% mais que em 2016.
O secretário de Aviação do Ministério da Infraestrutura, Ronei Glanzmann, afirmou, na última segunda-feira, que as próximas rodadas de concessões aeroportuárias, envolvendo mais seis blocos, demandarão investimento (Capex) de R$ 8,8 bilhões. O maior montante está concentrado no bloco que inclui Congonhas (SP) e outros cinco terminais, com R$ 2,4 bilhões.
Com as privatizações, a Infraero vai encerrar as atividades, o que deve ocorrer após a concessão de todos os aeroportos ao final da sexta e da sétima rodadas de leilões, previstas para 2021. Segundo Glanzmann, parte da força de trabalho de ir para a NAV Brasil, estatal de navegação aérea criada no ano passado. (JG com agências)
Minientrevista
Paulo Resende
Professor Fundação Dom Cabral
Como o senhor avalia as próximas privatizações dos aeroportos?
Avalio de forma bastante positiva, dada a evolução do modelo de concessões que o Brasil realizou nos últimos anos. Começamos com uma participação societária grande do governo federal, mas, com o passar do tempo, essa participação ficou menor, chegando a zero. Isso é muito bom. Investidor não se sente atraído quando o governo é sócio. Por outro lado, a demanda de passageiros tem uma relação muito direta com a retomada da economia. A economia dá sinais de retomada e tudo leva a crer que o crescimento econômico virá de maneira mais sustentada. Por essas duas questões, vejo que as próximas privatizações serão importantes e com tudo para ser um sucesso.
Quais os aeroportos administrados pela Infraero que devem atrair mais investidores?
Vejo os dois aeroportos do Rio e São Paulo (Santos Dumont e Congonhas) como os mais promissores, mas também destaco os aeroportos de Recife, Manaus, Curitiba, Vitória e Goiânia como bastante atrativos. Esses são aeroportos de demanda imediata, mas também temos aeroportos com grande potencial de demanda, como alguns do Centro-Oeste (Cuiabá e Campo Grande), Belém, e outros de porte médio que, dependendo do modelo de concessão, são atraentes para a iniciativa privada.