Quando Adelmar Rodrigues saiu de Coronel Fabriciano, no Vale do Aço, para tentar uma vida melhor em Belo Horizonte, não encontrou o sonhado emprego. A solução para a sobrevivência foi morar debaixo de uma lona num local bem próximo à Câmara Municipal e trabalhar como cuidador de carros, para ganhar uns trocados. Por dez anos, ele e sua companheira, Alessandra Vieira, passaram por percalços de quem não tem onde morar. 

A realidade mudou quando um projeto social criado por um grupo de amigos trouxe uma nova perspectiva para a vida do casal. Há cerca de dois anos, o grupo paga parte do aluguel de um barracão no bairro Santa Efigênia para Adelmar e Alessandra. Ele continua trabalhando como cuidador de carros no mesmo lugar, mas com uma rotina completamente diferente. “Gosto de fazer comida, de tomar banho, arrumar a casa, assistir a filmes e novelas. Gosto de ficar dentro de casa em paz”, relata Adelmar, de 56 anos.

De acordo com o censo da população em situação de rua feito pela Prefeitura de Belo Horizonte, há atualmente 5.344 pessoas nessa condição. Com o valor dos aluguéis nas alturas, é muito difícil para boa parte delas sair da rua sem ajuda. Afinal, sem endereço, fica quase impossível alguém conseguir emprego e obter renda, de onde viria o dinheiro para o pagamento de um aluguel. 

Pensando nessa situação, a servidora pública Deborah Amaral decidiu fazer uma espécie de vaquinha entre amigos para pagar aluguel para uma pessoa sair da rua. Ajudaram primeiro um, depois outro… em dois anos, o projeto cresceu e hoje beneficia 34 pessoas em 29 residências, utilizando um orçamento mensal de aproximadamente R$ 23 mil - dinheiro arrecadado unicamente por meio de doações. 

“A partir do momento em a pessoa tem onde dormir, tem onde tomar um banho, isso a leva a conquistar outras coisas que ela precisa, como arrumar um emprego, retomar laços familiares e cuidar da saúde”, argumenta Deborah Amaral. 

O trabalho do Aluguel Solidário é desenvolvido em rede com outros programas, como a Pastoral de Rua,  Instituto de Apoio e Orientação a Pessoas em Situação de Rua (Inaper) e a Casa Cidadã. O projeto está em processo de institucionalização, com a formalização de uma associação com CNPJ, para facilitar a burocracia que envolve o recebimento das doações e os pagamentos dos aluguéis. 

A iniciativa do Aluguel Solidário se baseia no modelo internacional Moradia Primeiro (Housing First), que parte do princípio do acesso imediato de uma pessoa em situação crônica de rua a uma moradia segura, individual, dispersa no território do município e integrada à comunidade. Para que o cidadão permaneça na moradia com qualidade de vida, ele passa a ser acompanhado por um grupo multidisciplinar.

Na última segunda-feira (11), o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou que o modelo Moradia Primeiro, já testado em algumas cidades como Curitiba e Porto Alegre, será empregado em todo o país. Um exemplo de projeto que tem se baseado no modelo internacional é a construção de imóveis pela Paróquia São Miguel Arcanjo, representada pelo padre Julio Lancellotti, em São Paulo.

Professora da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) e doutora em Direitos Humanos pela Universitat de Barcelona, Ana Paula Santos Diniz explica que o direito à moradia está presente no artigo 6º da Constituição brasileira. “Uma moradia digna e adequada é pressuposto para outros direitos, como segurança, saúde, liberdade, intimidade, privacidade. Não é possível pensar nesses direitos se não tivermos moradia”, explica.

Segundo ela, para garantir moradia a todos, é fundamental desenvolver políticas públicas de habitação que respeitem as demandas individuais e comunitárias. “Se entendermos moradia apenas como mercadoria, vamos excluir boa parcela da população que não tem capacidade econômica, que não tem condições de pagar aluguel ou comprar uma casa. Quando passamos a entender moradia como um direito, passamos a pensar que todas as pessoas, independentemente se têm capacidade econômica, vão ter direito para ter um lugar para se realizar enquanto sujeito”, completa.

Assumindo o aluguel

Há 14 meses, Andrea Maria do Carmo, 50, viu sua vida ser transformada pelo Aluguel Solidário. Hoje ela mora numa casinha no bairro Monsenhor Messias, região Noroeste da capital, bem pertinho da hamburgueria em que trabalha - um emprego, aliás, que conquistou com a ajuda do projeto. Enquanto não está no trabalho formal, ela também trabalha como costureira e cozinheira. 

Andrea abre a porta de sua casa, na região Noroeste de BH

Em novembro, Andrea comemorou uma grande conquista: pôde pagar o aluguel sozinha pela primeira vez. “Tenho liberdade, tranquilidade para dormir tranquila. hoje posso falar: eu sou alguém. Porque na rua, de tanto a sociedade julgar a gente como bicho, você se sente como um bicho. Hoje eu tenho casa, tenho emprego, tenho um salário. Hoje eu falo ’sou Andrea’, porque antes eu não dizia meu nome nas ruas”, relata Andrea, que não deixará de ser acompanhada pelo projeto, mesmo com uma maior independência financeira. 

A coordenadora de responsabilidade social do Aluguel Solidário, Deborah Brait, explica que o projeto não trabalha com prazos pré-estabelecidos junto aos beneficiados. “Tem gente assistida há dois anos e pessoas com cinco meses que já assumem o próprio aluguel. Então, não trabalhamos com prazos, mas com metas. A meta é a pessoa alcançar a autonomia dela, acessar educação, saúde, trabalho, previdência e assim conseguir a autonomia, mas respeitando a história de cada um”, relata Brait, acrescentando que as casas escolhidas ficam em bairros onde os beneficiados possuem um vínculo. 

Ações do município

De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, o atendimento à população em situação de rua é intersetorial, realizado por diversas áreas da administração municipal, inclusive em parceria com as entidades e organizações da sociedade civil. “Nos últimos anos duas foram as frentes de trabalho: qualificar as ofertas que já existiam e ampliar, de forma estratégica, a capacidade de atendimento”, afirmou a PBH, por nota.

“Os serviços municipais abrangem desde a identificação e abordagem da população em situação de rua nos territórios, o atendimento e acompanhamento no acesso a serviços públicos, a oferta de acolhimento em diferentes modalidades de abrigo e integração a programas de moradia e trabalho e emprego”, completou a administração municipal.