A SouthRock Capital, que administra no Brasil marcas como Subway, Starbucks, Eataly, TGI Fridays e Brazil Airport Restaurants, enviou uma lista de documentos e de credores à Justiça nesta sexta-feira (3), após o juiz pedir mais informações para a empresa em relação ao pedido de recuperação judicial (RJ) feito pelo grupo.
A empresa afirma que o processo de recuperação judicial é necessário para lidar com seu endividamento de R$ 1,8 bilhão. Mas apesar de fazer parte do portfólio do SouthRock, o Subway não foi incluído no pedido de RJ por uma “decisão de negócios”, o que leva a crer que a rede de fast food é lucrativa.
O juiz Leonardo Fernandes dos Santos, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, alegou que indeferiu temporariamente o pedido de recuperação judicial da SouthRock porque o processo foi feito com base em informações genéricas, sem a apresentação de um balanço financeiro e patrimonial consistente.
“A petição inicial do pedido de recuperação judicial deve ser instruída com demonstrações contábeis do balanço patrimonial, de demonstração de resultados acumulados e desde o último exercício social, bem como de relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção. Exige-se, ainda, um relatório completo da situação da empresa do ponto de vista econômico e comercial. Tais documentos são essenciais para que o juízo tenha condições iniciais de conhecer as reais condições da empresa devedora, especialmente no que concerne à sua viabilidade financeira, econômica e comercial”, diz o magistrado na sentença.
Para o advogado Rodrigo Totino, sócio da MBT Advocacia e especialista em Direito Tributário, com atuação em Recuperação Judicial e Falência, a decisão do juiz de pedir mais elementos para a empresa é comum neste tipo de situação.
“Ele pede um laudo de constatação prévio, que é como se fosse uma perícia prévia para analisar toda a parte documental da empresa, porque quando uma companhia pede recuperação judicial, o processo tem que ser instruído com algumas demonstrações contábeis e financeiras. E a legislação coloca ali todos os documentos que têm que ser instruídos. Então, para uma empresa desse porte, é normal o juiz determinar que seja feito um laudo de constatação preliminar ou prévio. O perito tem cinco dias corridos para entregar esse laudo e ele tem que analisar toda a parte documental, e se a empresa realmente está em funcionamento adequado ou não”, explica.
O especialista em varejo e franquias e CEO da Cherto Consultoria, Marcelo Cherto, lembra que um pedido de recuperação judicial não é a mesma coisa que o pedido de falência.
“Não é uma falência, a recuperação judicial é um pedido ao juiz para que segure a situação como está, não deixe os credores cobrarem dívidas ou rescindirem contratos enquanto a empresa se reorganiza para então poder pagar todos os débitos. Para isso, a empresa tem que apresentar um programa de quitação de recuperação, explicando como é que ela vai se recuperar, por isso é uma recuperação judicial. Tem caso em que o juiz decide liminarmente a favor de quem está pedindo. Mas há outros em que ele pede mais diligências, providências e análises, o que parece ser essa situação”, afirma.
O pedido de falência é feito por credores de uma empresa, enquanto o pedido de RJ é feito pela própria companhia.
SouthRock perde a licença para operar a marca Starbucks
Outra situação agravou a crise da SouthRock. O grupo que controla a Starbucks Brasil perdeu o direito de uso da marca no país devido ao atraso no pagamento, previsto no acordo de licenciamento. A notificação da rescisão da licença chegou em 13 de outubro deste ano, em meio a negociações de repactuação do contrato, e colocou em risco as atividades do grupo SouthRock.
A SouthRock disse, em nota, que segue operando a marca Starbucks no Brasil. "Alinhamentos sobre licenças fazem parte do processo de recuperação judicial", afirmou. A empresa considera não ter perdido a licença.
Na quinta-feira (1º), o juiz Leonardo Fernandes dos Santos negou o pedido de tutela de urgência feito pela SouthRock para suspender a rescisão do acordo de licenciamento.
A defesa do grupo diz no pedido não reconhecer a notificação extrajudicial enviada pela Starbucks Coffee International Inc., por considerar ter sido uma interrupção abrupta das negociações por "condições de pagamento que refletissem sua atual capacidade financeira".
A SouthRock também vê o risco de outros credores e clientes buscarem o rompimento de seus contratos caso a suspensão da licença seja mantida. No pedido, a empresa solicita que o direito de uso da marca Starbucks seja mantido durante o "stay period" (período de "respiro" para a empresa, em que há suspensão das ações de execução) da recuperação judicial.
Isso deverá permitir, escreveram os advogados, "a produtiva negociação entre as partes".
Crise começou na pandemia
Em seu pedido de recuperação judicial, a SouthRock explicou que a crise financeira do grupo começou na pandemia de Covid-19. “Durante o ano de 2020, o grupo SouthRock observou uma queda de aproximadamente 95% nas vendas além de ter suportado grande inadimplência por parte de seus parceiros comerciais. Embora em ritmo decrescente, nos anos subsequentes as requerentes ainda continuaram a sofrer com a queda nas vendas, com uma redução de aproximadamente 70% no ano de 2021 e de aproximadamente 30% no ano de 2022, motivo pelo qual a plena recomposição de seu fluxo de caixa ainda não foi atingida”.
Na avaliação do advogado Rodrigo Totino, a crise da SouthRock com a Starbucks agravou ainda mais a situação do grupo.
“No meu ponto de vista, o principal motivo do ajuizamento da recuperação judicial é porque a rede Starbucks pediu o cancelamento da licença de uso, em razão do inadimplemento. Nesse pedido inicial agora de recuperação, os advogados pediram uma tutela de urgência para que esse contrato não fosse rescindido, para ser reconhecida como crédito concursal essa dívida de royalties que a empresa tem contra a Starbucks. E que em razão do princípio da preservação da empresa, que fosse mantido o contrato com a Starbucks. E essa liminar já foi indeferida pelo juiz", argumenta.
Por que a Starbucks deu errado no Brasil?
Nas redes sociais, muitos clientes tentaram fazer uma análise sobre os motivos que levaram a Starbucks, uma marca de cafeterias famosa mundialmente, a dar errado no Brasil. Ygor Palopoli acredita que os brasileiros não gostam de comprar copos enormes de cafés, com preços mais altos.
“O Brasil é o maior produtor de café do mundo e tem uma cultura já muito bem estabelecida em relação a isso, com preferências fortes por cafés locais e um preço acessível por uma xícara. Existem muitas coisas na nossa cultura que são importadas do modelo de consumo norte-americano, mas o café com certeza não é uma delas - ao menos não em larga escala”.
O Brasil é o maior produtor de café do mundo e tem uma cultura já muito bem estabelecida em relação a isso, com preferências fortes por cafés locais e um preço acessível por uma xícara.
Existem muitas coisas na nossa cultura que são importadas do modelo de consumo… pic.twitter.com/6CxM0lQXhU
Para Igor, a questão cultural importa muito. “A Starbucks surgiu como algo quase que revolucionário nos Estados Unidos porque lá não existia a cultura do pingado às seis da manhã. Do café expresso forte sem açúcar com pão, presunto e queijo. A gente já produz café bom e barato faz tempo. Então por que optar por um lugar onde o preço é 10x maior com um café 10x mais fraco?”, questiona.
Outra cliente, a Marina, acredita que o principal produto da Starbucks não era o café. “Sempre tive a ideia que a Starbucks, depois desse ‘charme’ que passa, vendia um lugar pra trabalhar/estudar e não café. Lá você tem garantia de tomada, Wi-Fi e o mínimo de conforto em algum momento que não queira/consiga estar em casa ou no escritório”, disse no X (antigo Twitter).
Também cliente, Henrique Alvarez está preferindo consumir o café de empresas nacionais.
“Destaco o sucesso das franquias que buscaram investir em algo mais nacional. A ‘Cheirin Bão’ abre igual farmácia, já se tornou uma das 50 maiores franquias do país, em uma pegada bem nacional. Não faz sentido ir em Starbucks quando ela é opção. Melhor e mais barato”, afirma.
Destaco o sucesso das franquias que buscaram investir em algo mais nacional. A Cheirin bão abre igual farmácia, já se tornou uma das 50 maiores franquias do país, em uma pegada bem nacional. Não faz sentido ir em Starbucks quando ela é opção. Melhor e mais barato.
— Henrique Alvarez (@henriquefavp) November 2, 2023*(com informações de Fernanda Brigatti / Folhapress)