Disputa

Dispensa pelo INSS não garante retorno ao trabalho

Sem benefício e impossibilitados de voltar para o emprego, trabalhadores buscam o Judiciário

Por Ludmila Pizarro
Publicado em 12 de setembro de 2016 | 03:00
 
 
Via-sacra. Cláudia Barroso ficou cinco anos sem trabalhar e sem receber benefício do INSS até conseguir se aposentar na Justiça Foto: Douglas Magno

A revisão que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) começou a fazer neste mês nos auxílios-doença e nas aposentadorias por invalidez pode agravar um problema que o Judiciário já enfrenta hoje: o limbo jurídico em que o trabalhador se encontra quando é liberado pelo instituto, mas a empresa não o aceita de volta.

Segundo o INSS, devem retornar ao mercado de trabalho cerca de 130 mil pessoas com essa revisão. Um estudo realizado em 2012 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontava que os questionamentos das decisões do instituto já inchavam o Judiciário, uma vez que ele ocupava o primeiro lugar no ranking dos cem maiores litigantes da Justiça brasileira, tanto na lista da primeira instância como na de juizados especiais. “O INSS acaba usando o Judiciário como uma segunda instância quando a empresa não aceita o funcionário de volta”, explica a advogada e pesquisadora do Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho e à Administração de Justiça da Faculdade de Direito da UFMG (Prunart-UFMG) Sílvia Maia Xavier. “Nem sempre a avaliação do INSS corresponde à realidade. A pessoa deixa de receber o benefício, mas não tem condições de voltar a exercer seu cargo”, acrescenta a advogada Patrícia Alvarenga, diretora da Previt Assessoria Previdenciária e Trabalhista.

Foi o que aconteceu com a ex-auxiliar de serviços gerais Cláudia de Mello Barroso, 41, que ficou cinco anos sem receber o auxílio-doença porque era considerada apta para trabalhar pelo INSS, mas não conseguiu retomar seu cargo na empresa porque tinha constantes crises de epilepsia que a faziam desmaiar. “Não recebi praticamente nada nesse período. Até que a advogada conseguiu, no ano passado, que eu me aposentasse por invalidez”, conta Cláudia.

Como recorrer. Outro problema é definir a qual Justiça recorrer nessa situação. Se a pessoa tem vínculo empregatício, ela busca a Justiça do Trabalho, porém, para questionar a perícia do INSS, ela deve entrar com um processo na Justiça Federal. “Mesmo se a perícia médica da Justiça do Trabalho conclui que a pessoa está incapacitada, o INSS pode desconsiderar essa decisão. Nesse caso, tem que entrar na Justiça Federal para questionar o INSS. Isso se agrava quando a Justiça do Trabalho e a Federal discordam e cada uma decide de uma forma”, avalia o coordenador do Prunart-UFMG e juiz do Trabalho, Antônio Gomes de Vasconcelos. “Isso mostra que o sistema de distribuição de competências é inadequado”, afirma.

Para Vasconcelos, é possível melhorar esse quadro com a “harmonização institucional” entre os órgãos envolvidos. Entre as propostas, Vasconcelos defende uma mudança legislativa que defina a competência da Justiça do Trabalho nos casos de afastamento por problemas de saúde.

Diálogo

Fórum permanente. O Prunart-UFMG realiza encontros entre Justiça do Trabalho, Justiça Federal, INSS e AGU para discutir alternativas quando o contribuinte questiona a perícia do INSS. 

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Mais consequências

Empresa não deve encostar

Quando um funcionário retorna de um período de licença médica ou de uma aposentadoria por invalidez reavaliada pelo INSS, a empresa deve se precaver para não pagar indenizações por danos morais. “O pior que a empresa pode fazer é encostar o funcionário, deixá-lo sem função e dispensá-lo após o período de estabilidade. Isso pode gerar indenizações muito altas na Justiça do Trabalho porque fere a dignidade humana”, explica a advogada Silvia Tareiro, da consultoria UHY Moreira.

Para Tareiro, haverá impacto nas empresas em função da revisão que o INSS está fazendo nos auxílios-doença e nas aposentadorias por invalidez. “Se o órgão pretende cancelar cerca de 20% dos benefícios, a empresa tem que pensar que o índice de retorno de funcionários nessa situação pode ser em torno disso”, diz.

Por outro lado, a empresa pode receber isenções fiscais quando faz um trabalho de reabilitação de seus funcionários, lembra a advogada e pesquisadora do Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho e à Administração de Justiça (Prunart-UFMG) Sílvia Maia Xavier. “O INSS deveria trabalhar em parceria com as empresas para evitar que o retorno ao trabalho acabe sendo questionado na Justiça”, opina Xavier.

Tareiro, porém, salienta que a legislação exige que o empregado passe por uma avaliação da empresa. “Antes de voltar ao trabalho, o empregado precisa passar por um médico do trabalho da empresa, como determina a legislação. Mas esse médico pode discordar da avaliação do INSS”, diz. Para ela, o problema é que o empregado pode exigir, na Justiça do Trabalho, o pagamento do salário pela empresa enquanto não é definido se ele está ou não apto para retornar ao trabalho.