Consciência Negra

Ensino superior ainda é 70% branco no país

Em cada dez pessoas que se formam nas faculdades do país, só três são negras

Por Queila Ariadne
Publicado em 20 de novembro de 2018 | 03:00
 
 
“Costumo ignorar (o racismo). Se for gritante, minha arma para lidar é a inteligência. Quem não entende que o valor vem da pessoa e não da cor é alguém muito pequeno.” - Zaira Pereira, Advogada criminalista Foto: Fred Magno

Sete em cada dez pessoas que se formam no ensino superior são brancas. Um recorte da Síntese dos Indicadores Sociais (SIS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que os filhos de pais brancos têm muito mais chance de concluir um curso, o que é realidade para 49,5% dessa fatia da população. Já entre os filhos de pardos e negros, apenas 28,4% conseguem. Não por acaso, Marcelo de Souza Pereira, 37, que estudou todo o ensino fundamental e médio em escola pública, era praticamente o único negro da faculdade de administração de uma universidade privada. Também não é por acaso que hoje é o único negro a ocupar um cargo de gerência entre os 12 gestores das unidades do Ibmec em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal.

“No começo do meu curso, minha turma tinha três ou quatro negros, mas só eu me formei. Esse é o retrato de quase tudo que passei, onde, na maioria das vezes, eu era o único negro. Mas nunca deixei que isso me abatesse”, destaca Pereira, que é gerente de operações do Ibmec. Em sua trajetória, passou por situações de preconceito como chegar ao fim de processos de seleção pelo ótimo currículo, mas ser barrado na fase de entrevistas. No entanto, ficou a sensação de desafio cumprido. “Contra o preconceito, minha arma é a perseverança, a busca pelo conhecimento e a certeza de que ninguém é melhor do que ninguém”, conta.

Dos sete filhos, criados por uma mãe solteira em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, cinco concluíram o ensino superior e os outros dois também são bem-sucedidos. Para a nova geração dessa família, fazer faculdade já é algo mais natural. Na família do matemático e educador financeiro Aender Diniz Pereira, 42, ele foi o primeiro a se graduar. Depois, cuidou para que as irmãs também conseguissem. Fernanda virou técnica em enfermagem. Zaira é advogada criminalista.

“Nossa vida foi muito difícil. Somos filhos de pais favelados, meu pai morreu aos 29 anos, e minha mãe nos criou. Educação é a ferramenta que muda o patamar dos pobres que, por questões históricas, em sua maioria são negros”, destaca Pereira, que escolheu educar. Há seis anos, ele é dono do cursinho preparatório onde a irmã Zaira dá aulas de direitos humanos e direito penal.

Criminalista, Zaira já sentiu na pele o preconceito duplo por ser mulher e negra, mas tem uma estratégia. “Se acontece algo, costumo ignorar. Se for gritante, minha arma para lidar com a situação é a inteligência. Acho que quem não entende que o valor vem da pessoa e não da cor é alguém muito pequeno”, afirma Zaira, que está fazendo mestrado.

 

Negros e pardos começam mais cedo

Em média, quatro a cada dez brasileiros começam a trabalhar com carteira assinada antes dos 15 anos. Entre os brancos, o percentual é de 36,5%. Entre os pardos e negros, sobe para 42,3%. Os dados são da Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) do IBGE. “Eu comecei a trabalhar muito cedo, com 14 anos, como balconista e auxiliar de serviços gerais. Fui de faxineiro a matemático e educador financeiro, com muita luta e muito orgulho. Acredito que, independentemente de raça, cor ou religião, o que muda a vida de alguém é o seu potencial”, afirma Aender Pereira, 42.

No caso do gerente de operações do Ibmec Marcelo de Souza Pereira, a educação também foi o caminho para romper o preconceito no mercado de trabalho. “Meu primeiro emprego foi como apanhador de bolinhas de tênis no clube. Saí de lá gerente de todos os restaurantes e lanchonetes. Depois, fui para a faculdade”, lembra.

Outro dado da pesquisa revela que, entre a fatia da população com os 10% dos menores rendimentos, 78,5% são pardos e negros. Já entre os 10% com maiores rendimentos, cai para 24,8%. Entre os jovens que nem estudam nem trabalham, a taxa de desocupação é de 21,2% para os brancos. Entre os pardos e pretos, sobe para 29,1% e, se forem mulheres, 37,6%.