Estratégias

'Quero flexibilidade': Mercado precisa se reinventar para atrair Geração Z

Jovens desejam ter liberdade e independência no trabalho, criando desafios para contratação no comércio e setor de serviços em BH

Dom, 05/02/23 - 06h00

“Contrata-se”. Seja no shopping ou nas lojas de rua, em padarias ou supermercados, não é raro encontrar um cartaz com a divulgação de vagas abertas. Entre os empresários e gerentes, a observação de que não está fácil encontrar mão de obra é praticamente unânime. Por outro lado, quase 8 milhões de jovens no Brasil não trabalham nem estudam. Para que haja equilíbrio nesses dois lados da balança, especialistas indicam que as empresas precisam se adaptar e encontrar estratégias para engajar os trabalhadores da Geração Z. 

Segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 15% dos jovens brasileiros de 15 a 29 anos não estudavam ou não trabalhavam em 2021. Se o recorte for entre os jovens de baixa renda, o índice sobe para 24%. A maior parte desse grupo que não está no mercado de trabalho faz parte da Geração Z, nome dado aos que nasceram após 1996 e são nativos digitais. 

Esses jovens possuem características muito diferentes das gerações anteriores: eles gostam de independência, flexibilidade, motivação, desafios e engajamento. Mas nem sempre a realidade encontrada no comércio é compatível com essas características. Como fazer uma pessoa de 18 a 24 anos se interessar pelo trabalho em supermercados e padarias, por exemplo, em que as jornadas de trabalho são longas, os salários não são altos e os funcionários trabalham aos fins de semana? 

Guilherme Silva, de 25 anos, é um exemplo de quem deixou o mercado formal porque não queria mais trabalhar aos sábados e domingos. Quando tinha 19 anos, começou a trabalhar em uma padaria, onde atuou como balconista, caixa e repositor. Estudou para ser padeiro e conseguiu a vaga. Mas ter de sair de casa às 4h30 e caminhar três quilômetros para chegar ao trabalho - muitas vezes, debaixo de chuva - o fizeram decidir por abandonar a carteira assinada para encarar uma nova rotina como motoboy. Não conta mais com recolhimento de FGTS e INSS, mas tem hoje uma renda três vezes maior. 

“Vi lá que não recebia o valor justo. Eu que fazia o negócio virar e ganhava pouco em relação aos outros padeiros. É uma coisa que vai revoltando a gente. Eu era a engrenagem da padaria e o patrão não estava valorizando”, defende. Guilherme explica que, por vezes, trabalhava ao lado de um colega forneiro que tinha mais tempo de casa e não sabia fazer pão tão bem. Logo, caía sobre ele toda a responsabilidade sobre a produção. O outro funcionário, porém, tinha um salário maior. 

Como motoboy, ele chegou a ter contratos fixos de entrega, mas não gostou da experiência. “Não tinha interesse por conta da falta de flexibilidade, tinha que cumprir horário”, lembra. Hoje autônomo, ele faz os próprios horários, não trabalha mais aos fins de semana e conseguiu até viajar de férias com a família para a praia de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. “Se você falar ‘vou parar’, você para, mesmo que trabalhe mais depois. Às vezes tem que levar menino no médico… Se tiver que faltar um dia, falto”, explica. 

Empresas ainda são lideradas pela Geração X

Quando não conseguem encontrar oportunidades em companhias que estão alinhadas ao que eles pensam, muitos jovens da geração Z preferem trabalhar por conta própria, como microempreendedores individuais, especialmente em setores que costumam admitir mais o trabalho em casa, como os ligados à tecnologia e informática. Um levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) indica que 57% dos trabalhadores autônomos brasileiros eram empregados com carteira assinada antes de iniciar um negócio. 

Diretora de Experiências na Escola de Diversidade Profissas, Sônia Lesse defende que as empresas precisam se reinventar para atrair e reter a mão de obra jovem. Segundo ela, muitos empreendimentos que ainda não criaram estratégias para isso são liderados por pessoas da Geração X - nascidos nas décadas de 1960 e 1970, criados numa cultura de “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. 

“Elas cresceram em uma época em que havia escassez de emprego e a maior parte do trabalho era operacional. Poucas pessoas tinham acesso ao ensino superior e não havia mão de obra qualificada em larga escala. Não se falava da valorização de um trabalho salubre e digno, não se falava sobre saúde mental dos trabalhadores”, explica Sônia. 

Os primeiros embates geracionais no mercado de trabalho já tiveram início com os Millennials (ou Geração Y), nascidos entre 1980 e 1996. Esse grupo já trazia questionamentos ao ambiente de trabalho em nome da produtividade e de um melhor ambiente organizacional. A Geração Z potencializou isso com seu pragmatismo. “Eles querem mudanças. Querem discutir, criar, planejar junto”. 

Para que donos de empresas e gerentes possam compreender melhor as demandas da Geração Z, Sônia recomenda que haja investimento em treinamento - tanto dos gerentes quanto dos novos colaboradores, que são nativos digitais e muitas vezes têm dificuldades em lidar com atendimento ao cliente.

Oferecer um ambiente de trabalho colaborativo e dinâmico, com a valorização da saúde mental dos funcionários, também conta pontos para os jovens. “Essa geração não lida bem com a mesmice, com uma rotina enfadonha. Por isso, é preciso inseri-la nos processos criativos, oferecer diferentes recursos para que ela não fique entediada”. 

Melhorar o salário não é suficiente

E o que mais o comércio pode fazer para conseguir atrair e reter os jovens da geração Z? Segundo o professor e pesquisador da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV, Marco Túlio Zanini, muitas empresas estão realmente tentando se adaptar a esta nova realidade de mercado.

“Em geral, o comércio ainda é muito conservador. Uma padaria não pode flexibilizar o horário, mas pode melhorar as condições de trabalho. A gente tem visto este movimento mais forte em São Paulo. Tem que ter funcionários satisfeitos. As realidades são diferentes, mas em geral, as empresas precisam rever a questão dos incentivos. Porque se há um emprego melhor sendo oferecido, este jovem vai. O comércio tradicional precisa ser repensado. Por que não consegue atrair esses profissionais? Não é só salário, é a forma de ser tratado, o meio de transporte oferecido, entre outras coisas”, explica.

A empresária Franciele Parreiras, que tem dez lojas de roupas da marca Pimenta Rosa em Belo Horizonte e região metropolitana, enfrenta muita dificuldade para contratar pessoas mais jovens e, principalmente, reter estes trabalhadores.

“Nossa meta é expandir e abrir mais cinco unidades em 2023, mas o que está pesando é a questão da contratação. Nosso público é mais jovem e precisamos de funcionários assim, que falam a língua dos nossos clientes. A gente até consegue, mas não encontra pessoas qualificadas. Estou com uma vaga aberta de gerente de loja há dois meses em Betim. E neste caso não tem como eu contratar alguém inexperiente, pois tem que entender de estoque, saber lidar com equipe, e não acho”, explica. O salário para este cargo varia de R$ 3 mil a R$ 4 mil.  

Para aliviar o problema, a empresária adotou uma estratégia. Ao longo do ano, ela tenta contratar mais funcionários do que realmente precisa nas lojas, já pensando que algumas pessoas podem pedir demissão. Outra fórmula é dar treinamento na própria empresa para os funcionários ocuparem cargos mais altos.

Marco Túlio Zanini lembra ainda que esse debate não se resume a câmaras setoriais, mas também ao poder público. Afinal, uma redução na mão de obra do mercado formal leva a um menor recolhimento no INSS - e, consequentemente, a um déficit previdenciário. “A Previdência vai precisar sofrer mais reformas ainda. Ela parte de pressupostos de que uma geração vai pagando pela outra. Não é uma poupança que a pessoa faz para ela mesma ter acesso no futuro. Isso vai precisar mudar”.

Setor hoteleiro também sofre para conseguir trabalhadores

O Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de BH e Região Metropolitana (SindHotéis / SindiHBaRes) estima que o setor de serviços deve abrir cerca de 5.000 vagas na região ao longo de 2023. “Estou no sindicato há 30 anos e nunca vi uma situação dessa, de falta de mão de obra. Os aplicativos tiraram muitos profissionais e temos urgência com essa capacitação”, afirma o presidente do SindHotéis, Paulo César Pedrosa. 

De acordo com Maarten Van Sluys, consultor do setor hoteleiro, algumas empresas estão conseguindo manter os colaboradores com uma mudança na jornada, optando pelo esquema de 12 horas trabalhadas para 36 horas de descanso. 

Para entender melhor as demandas dos jovens, o consultor conversou com os próprios filhos, com idades entre 20 e 30 anos. “Coletando as impressões deles, ficou ainda mais claro que o jovem pensa o mercado de trabalho de uma forma muito diferente do que a maioria imagina e, por isso, há um desencontro entre demanda e oferta. Basicamente, o jovem quer trabalhar de forma híbrida e ser remunerado por produtividade. Ele valoriza o tempo livre e quer qualidade de vida. O fim de semana é crucial para ele”. 

Para que o apagão da mão de obra não se intensifique, Van Luys sugere mudanças nas regras trabalhistas (pensando em jornadas mais flexíveis), maior investimento em planos de carreira e valorização dos estudos. “Percebo que muita gente está entrando no mercado de trabalho interessada em ter renda, mas que não está mais disposta a estudar. Isso é muito grave”. 

Investimento em Menor Aprendiz é um caminho

Algumas iniciativas no Brasil ajudam os jovens a entrarem no mercado de trabalho mais preparados. Uma delas é a Lei nº 10.097/2000, conhecida como Lei do Jovem Aprendiz ou Lei da Aprendizagem, criada para auxiliar as pessoas com idade entre 14 a 24 anos a terem as primeiras experiências profissionais. É necessário que o jovem esteja cursando o ensino fundamental ou médio para que o contrato seja firmado. 

Em Belo Horizonte, os comerciantes também dão apoio a esta entrada dos jovens no mercado de trabalho e ajudam a capacitá-los por meio da Fundação CDL Pró-Criança, criada em 1986. Uma vez na semana, eles aprendem noções de cidadania, legislação e formas de se comportar numa empresa.

“Desde 2000, nós já conseguimos formar 21 mil jovens em oficinas introdutórias na fundação. Mais de 50% deles foram contratados como jovens aprendizes, o que dá aproximadamente 11,5 mil jovens. E desses, cerca de 3,5 mil foram efetivados. Muitas vezes, até antes do fim do contrato”, explica o presidente da Fundação CDL, Vilson Mayrink. 

Outra estratégia da Fundação CDL é levar estes jovens que conseguiram bons empregos para falar nas palestras para novas turmas, numa tentativa de inspirar mais meninos e meninas. Até o próprio presidente da Fundação CDL contratou um jovem aprendiz para trabalhar no pet shop em que ele é dono. O rapaz tem 19 anos e está há um ano e meio no atendimento direto ao cliente. “Ele aprende tudo muito rápido, é muito atento e correspondeu, tanto que foi contratado”, afirma. 

Às vezes o jovem extrapola no uso do celular, mas o patrão pode conversar bastante para orientá-lo, ao mesmo tempo em que tenta ser bem compreensivo para saber quais são as necessidades do funcionário. “A gente tem que ter sabedoria para lidar com este choque de gerações. É muita escuta, é procurar entender o jovem e me adequar a ele. As pessoas dessa idade ficam muito no celular e no zap. Tento dizer a ele para evitar o telefone quando chega um cliente, pois se a pessoa entra na loja e não é atendida, ela vai embora e talvez não volte mais. E é o dinheiro destes consumidores que paga o nosso salário. E ele entendeu muito bem”, aponta Vilson Mayrink. 

Com mais jovens trabalhando, a economia também cresce. “No ano passado, nós injetamos cerca de R$ 8 milhões na economia mineira com os salários dos aprendizes. Para o comércio, é impactante demais. Eles vão gastar, vão pagar contas, terão o dinheirinho deles”, conclui o presidente da Fundação CDL.

Professora de uma turma de jovens aprendizes, Luciana Nogueira explica que parte dos adolescentes sonha alto, fazendo planos para uma carreira profissional de sucesso depois de uma faculdade, enquanto outros se preocupam mesmo é em conseguir uma boa renda para viver. Mas algumas características são comuns a todos os alunos: eles são movidos pelos desejos de consumo e chegam a gastar toda a bolsa do programa com a compra de um smartphone de alta performance. 

Independentemente das motivações, quem foi jovem aprendiz já sai na frente na concorrência por vagas. “Quando o jovem chega para o primeiro emprego e o RH vê que foi jovem aprendiz, isso faz toda a diferença. Sabe que esse jovem tem conhecimento sobre empresa, comportamento e tecnologia”, diz Luciana. “Sempre nas minhas turmas há alguns que já saem do programa empregados. Mas tem outros que recebem a proposta de emprego e recusam. Porque para eles é assim: se não for interessante, não hesitam em dizer não”. 

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