A pandemia da Covid-19 estimulou o surgimento de novos ciclistas no Brasil e no mundo. Com a necessidade do distanciamento social como forma de prevenção da doença, muitas pessoas encontraram na bicicleta uma forma de lazer, atividade física ou meio de transporte, e as vendas das magrelas dispararam.

De abril a agosto deste ano, houve um crescimento médio de 87% em comparação com o mesmo período de 2019, de acordo com dados da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike). A demanda global do produto em alta e os atrasos no fornecimento de peças levaram a um desabastecimento do mercado, e lojas de Belo Horizonte acumulam filas de espera de clientes.

Na avaliação do diretor executivo da Aliança Bike, Daniel Guth, o crescimento da demanda se deve a três fatores principais: o fechamento de academias durante a pandemia, que levou muitas pessoas a adotar a bicicleta como exercício físico; o receio de aglomerações no transporte público, que fez com que usuários do sistema optassem pela bike; e a busca por lazer das famílias no período de isolamento. Os modelos mais procurados pelos brasileiros têm sido as bicicletas de entrada, com valores que variam entre R$ 800 e R$ 2.000.

Segundo Guth, a alta demanda por bicicletas e os atrasos nas entregas de peças, vindas principalmente do mercado asiático, continuam impactando a capacidade de vendas do setor. Mesmo bicicletas consideradas nacionais, fabricadas no Brasil, possuem mais de 90% dos componentes importados.

"A China concentra quase 80% de tudo o que a gente importa para a montagem das bicicletas. No início da pandemia, o mercado chinês parou e, quando voltou, a China priorizou alguns mercados: o europeu, que foi o primeiro a sentir a onda do crescimento no uso da bicicleta, e o doméstico. O Brasil não ficou entre as prioridades, agora que estamos caminhando em direção à normalização", explica Guth.

Ele diz que as lojas têm buscado alternativas para driblar os problemas no fornecimento, como a criação de filas de espera de clientes e a fabricação, por conta própria, de bicicletas: "Muita loja que não estava conseguindo fornecedor de bicicleta pronta começou a comprar todos os componentes que conseguia para montar. Mesmo com essa dança das cadeiras, muita gente ficou sem bicicleta".

Na Pedal Shop, loja localizada no bairro Nova Suíssa, na região Oeste de Belo Horizonte, as vendas no primeiro semestre deste ano aumentaram 300% em comparação com o mesmo período de 2019 e foram as maiores da história. De acordo com o diretor Rodrigo Celeghini, o estabelecimento oferece bicicletas que custam de R$ 1.890 a R$ 45 mil, e houve acréscimo nas vendas de bikes de todas as faixas de preço.

Por causa dos atrasos nas entregas por parte das fábricas, a loja acumula, nos últimos três meses, uma lista de espera de cerca de 400 pessoas interessadas em comprar ou trocar de bicicleta. "infelizmente, não temos produto para entregar para todo mundo. Houve um boom, principalmente entre março e agosto. Agora, deu uma diminuída, mas as vendas do segundo semestre continuam maiores do que em anos anteriores", afirma.

Na Ciclovia Bicicletas, no bairro Carlos Prates, na região Noroeste da capital, entre março e setembro, as vendas cresceram 200% em relação ao mesmo período do ano passado, principalmente de bicicletas de R$ 2.000 a R$ 4.000. Segundo o proprietário, Igor Soares, o fornecimento está se normalizando, mas, para algumas marcas, há fila de espera de até 60 dias.

A loja está pagando em torno de 20% a 30% mais caro pelas bikes neste ano, o mesmo reajuste repassado aos consumidores finais. "É um esporte que faz bem para a saúde e a mente. Há grande chance de pessoas gostarem e a demanda para o mercado continuar alta", pontua.

O comerciante Ramon Henrique, 38, já estava querendo comprar uma bicicleta, e as recomendações de isolamento geradas pela pandemia foram o incentivo que faltava. "Pesquisei bastante antes de comprar, porque os preços aumentavam toda semana", conta. A ideia é usar a bike para lazer e atividade física, mas ele já passou a fazer de bike alguns trajetos que fazia de ônibus. "Já estou vendo que daqui a pouco vou trocar a minha por uma melhor", diz.

A cofundadora da Amadoria, Luciana Gallo, 43, sempre desejou voltar a pedalar, coisa que não fazia havia mais de 30 anos. Ela aproveitou que a agenda ficou um pouco mais tranquila durante a pandemia para fazer aulas e, agora, já tem a própria bike para ir ao trabalho, passear e se exercitar. "Para mim, foi quase como uma terapia, uma forma de desestressar", conta.

Ampliação de ciclovias em BH avança lentamente

Para que os novos ciclistas continuem a pedalar, é preciso que o poder público invista em melhores condições cicloviárias nas cidades, na avaliação do diretor executivo da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), Daniel Guth.

"As pessoas, ao experimentarem a bicicleta, tendem a querer continuar com a atividade, é um caminho sem volta. Mas, para que elas não abandonem a bicicleta, as cidades precisam oferecer segurança viária, infraestrutura cicloviária, fiscalização, garantir o mínimo de condições para as pessoas levarem as bicicletas para a vida", diz.

Segundo ele, as cidades brasileiras não estão preparadas para a mobilidade segura por bicicleta. Faltam ciclovias, redes integradas e até espaços para o uso da bike como lazer. "Eu diria que há um desejo da população de levar as bicicletas para suas vidas no pós-pandemia, mas as políticas públicas jogam contra", afirma. Em Belo Horizonte, a infraestrutura avança lentamente. Atualmente, são 89,93 km de ciclovias na cidade. Quatro anos atrás, em 2016, eram 87,4 km. Naquele ano, a expectativa era alcançar 300 km em 2020.

A ativista e jogadora de bike pólo, Ana Coan, 28, diz que, como o tráfego diminuiu durante a pandemia, muitas pessoas se sentiram mais seguras para pedalar nas ruas, mas agora são necessárias ações para que elas continuem a se sentir confortáveis para usar a bicicleta. "Tenho esperança de que, com mais pessoas começando a pedalar, haja consciência no trânsito e atenção das autoridades", pontua.

De acordo com a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), há um planejamento de mais de 300 km de ciclovias para capital e, gradativamente, em função dos recursos financeiros disponíveis, ela serão implantadas.

Segundo a empresa, para facilitar a mobilidade durante a pandemia, em julho foram implantados cerca de 30 km de ciclofaixa, ligando as regiões Leste e Oeste da cidade, entre trechos de ciclovias já existentes e as ciclofaixas temporárias ligando a região do Barreiro à  Avenida dos Andradas, no bairro São Geraldo. As ciclofaixas temporárias têm sinalização com pinturas, cones e balizadores delimitando a área destinada ao tráfego das bicicletas.