Ao começar o passeio pela exposição Tesouros Ancestrais do Peru, aberta ao público a partir desta quarta-feira (29), no CCBB-BH, o visitante tem um impacto de saltar aos olhos. Dezenas de cordas coloridas, com nós ao longo do comprimento, se enfileiram do teto ao chão, formando uma larga cortina pigmentada, dividia por um painel igualmente grande de fundo azul e no qual se vê dois Tumis, facas cerimoniais típicas de celebrações peruanas. A instalação, “Quipucamayoc”, é uma obra da artista peruana Alexandra Grau e simboliza uma representação moderna dos quipus, sistema de contabilidade e registros usados durante o Império Inca.
“É um contraste entre o moderno e o antigo e mostra como um material do passado continua servindo de inspiração para a arte do presente, transformando-o em um elemento decorativo e belo”, explicou em espanhol a arqueóloga peruana Patricia Arana, uma das curadoras da exposição. Ela contou com o apoio de uma tradutora para detalhar informações sobre as 162 peças que compõem a mostra.
À medida que se adentra na exposição, no entanto, são os detalhes das peças, às vezes minúsculos, como o desenho de rostos ou pequenas esculturas de pássaros, que impressionam. Isso porque, diante da informação que as peças feitas de cerâmica, cobre, ouro, prata e têxteis datam entre de 900 a.C e 1600 d.C, é inevitável a pergunta: “como isso era feito?” “Boa parte dessas 162 peças era feita de metal. Esse processo passava por três fases: a da mineração, a da metalurgia e a da ourivesaria”, explica Patricia.
Os artefatos, que pertencem à Fundação Mujica Gallo e que fazem parte do catálogo do Museo Oro del Perú y Armas del Mundo, são advindos predominantemente do norte do Peru e contam a história de diversas civilizações andinas, como Lambayeque, Moche, Nasca, Vicus, Frias e Wari. “São obras de diferentes culturas, que, do ponto de vista etnográfico, são independentes, embora, à época, exercessem influências umas sobre as outras. Os detalhes, por isso mesmo, têm diferentes padrões de simbologia, que servem para identificar cada uma dessas culturas”, explica, por telefone, o cubano Rodolfo de Athayde, que divide a curadoria com Patricia.
Esses povos viveram em um território de cerca de quatro mil quilômetros, compreendidos desde o sul da Colômbia até o norte da Argentina, passando pelo Equador, Peru e Bolívia. “São peças resgatadas durante escavações nos anos 40 e 50, e muitas delas precedem até mesmo o Império Inca. Observamos como essas culturas já trabalhavam o ouro e a prata de forma extremamente sofisticada”, aponta Athayde. Na mostra, há objetos de uso cotidiano, como copos, depiladores e bolsas, e de uso simbólico e ritualístico, como máscaras funerárias, vasos e coroas de ouro.
O curador pontua que a maioria dos objetos dessas civilizações foi destruído, roubado ou mesmo derretido. “A exposição é bem simbólica, porque é resultado de um processo arqueológico realizado de maneira consciente e organizada. Só conseguimos encontrar esses materiais porque estavam escondidos. As escavações acharam poucas peças do Império Inca justamente porque, durante o período da conquista espanhola, mais de 200 mil toneladas de objetos de ouro foram levadas à Espanha para serem fundidas”, considera.
Passeio pelos séculos por meio dos eixos temáticos
A exposição Tesouros Ancestrais do Peru, que já passou pelo Rio de Janeiro e depois segue para Brasília e São Paulo, foi dividida em cinco blocos temáticos: linha do tempo, mineração, divindades e rituais, cerâmica e têxteis e colonização. “A história do Peru é complexa, e, por isso, achamos melhor organizá-la dessa forma para melhor entendimento do público”, conta Patricia. No primeiro momento, o público é convidado a conhecer um pouco dos mais de 10 mil anos da história andina, com informações dos primeiros habitantes e do surgimento da agricultura e irrigação. “Conhecemos mais a história dos Incas, mas há outras muito mais antigas. Temos, por exemplo, o período pré-cerâmico, com data de 11.000 a.C., em que as pessoas moravam nas cavernas”, explica Patricia.
Na sequência, no eixo da mineração, os visitantes conhecem o processo do domínio do metal. Destaque para uma escultura de um jaguar, feito com nove lâminas soldadas e que faz parte de um conjunto de sete distribuídas pelo mundo. Lá também pode ser conferido o vídeo “Técnicas de Deformação Plástica”, elaborado pelas brasileiras Bete Esteves e Beth Franco, que explica o trabalho de mineração e a manipulação de metais. Já a sala dedicada às divindades e rituais traz uma série de elementos utilizados em cerimônias religiosas e de representações de divindades. Merece destaque uma maquete com objetos de uma celebração fúnebre. “Esse tipo de cortejo durava entre dois e três meses para que o personagem principal daquela civilização se preparasse para transcender para uma nova vida”, elucida Patricia.
No bloco de têxtil e cerâmica, conhece-se como cada cultura manipulava a cerâmica, material importante para o “estudo dos arqueólogos porque dificilmente se destrói com o passar do tempo”, diz a curadora. Já na sessão dos têxteis, chamam atenção dois pares de sapatos, que saíram do Peru para exposição pela primeira vez. “Muito se fala da vestimenta, mas e os sapatos? Por isso, resolvê-mos trazê-los”, destaca. A exposição chega ao fim no eixo colonização, que retrata a história da colonização do império Inca pelos espanhóis e a fundação do vice-reinado do Peru. Antes de chegar lá, no entanto, os visitantes podem ser surpreendidos por uma bela escultura de dois braços sobre um copo. Ao fundo, há um quadro com uma foto de Machu Picchu, um dos poucos territórios não destruídos durante o processo de colonização. “Esses são braços que não foram utilizados em um cortejo fúnebre. No centro, está um pouco que, aqui, representa Deus”, ilustra a curadora.
Obras contemporâneas
Além das já citadas “Quipucamayoc” e “Técnicas de Deformação Plástica”, a exposição conta ainda com mais duas obras contemporâneas. Em “Saqueo” (Pilhagem), do artista peruano Iván Sikic, localizada no Pátio, são apresentados cinco grandes sacos com terra. Em um deles, está escondido uma pipeta de ouro. A outra obra, “Quipu de Nasca”, do arqueólogo Alejo Rojas, é uma réplica de quipus coloridos.
SERVIÇO
O quê. Exposição Tesouros Ancestrais do Peru
Quando. De 28 de fevereiro a 6 de maio, de quarta a segunda, das 10h às 22h (fecha às terças)
Onde. Centro Cultural Banco do Brasil (praça da Liberdade, 450, Funcionários)
Quanto. Gratuito, mediante retirada de ingresso no site ccbb.com.br/bh ou na bilheteria do CCBB