Certo dia, o produtor cultural Afonso Borges pediu à filha o endereço eletrônico da menina. “Papai, você ainda tem e-mail?”, ela retrucou. O criador do Sempre um Papo, longeva iniciativa que promove encontros de escritores com leitores, tem acompanhado as transformações tecnológicas com atenção. É assíduo no mundo virtual, especialmente em tempos de pandemia. Há mais de duas décadas, disponibiliza os encontros literários gravados na internet, atualmente publica um podcast diário sobre livros na rádio Alvorada e tem um blog no jornal “O Globo”. E ainda consegue tempo para ler.

Em 2021, o Sempre Um Papo celebra 35 anos. O vitorioso projeto contabiliza mais de 7.000 eventos e público superior a 2 milhões de pessoas, gente que saiu de casa para conversar sobre livros. No palco, verdadeiras celebridades da literatura brasileira e estrangeira. Fernando Sabino, José Saramago e Contardo Calligaris no passado; Valter Hugo Mãe, Miriam Leitão e Monja Coen no presente. São apenas alguns de uma incontável lista.

Enquanto espalha literatura por onde passa, acumula exemplares em sua casa. “Minha vida é ao redor do livro”, afirma. As prateleiras com obras autografadas são as preferidas. Recebe lançamentos de editoras a todo tempo. Envolto em estantes rechonchudas com títulos de toda sorte, ele assume que já foi mais obsessivo com leitura. “Se a pessoa não gosta de ler, que faça outra coisa para expandir seu campo de consciência. Só a arte tem esse campo de iluminação”, acredita.

A pergunta da filha sobre o pai que ainda usa e-mail serve de fagulha para outra análise. Como as tais mudanças tecnológicas impactam o meio editorial? “Estamos no olho do furacão”, opina. “O mercado editorial era um antes da pandemia, agora com o confinamento é outro”, prossegue. As plataformas de leitura – muito além do livro impresso –, as mídias digitais, a forma de comprar e consumir o texto escrito são temas que atraem a reflexão do criador de eventos literários. Nesse lugar de observador, ele aposta que as livrarias físicas nos formatos atuais estejam com os dias contados. 

Os livros, no entanto, serão imortais. Espera-se que os encontros literários também. Ver o autor contando um caso agradável e emendando uma reflexão acessível é justamente o que Borges acredita ser o grande atrativo do Sempre Um Papo. Paulo Coelho percebeu isso, há mais de três décadas, quando o escritor brasileiro mais lido no mundo estava em início de carreira. “Ele me perguntou por que o livro dele estava vendendo tanto. Eu disse que era porque ele conseguia dizer a coisa certa na hora certa”, relembra o produtor. 

 

Relicário Edições ganha notoriedade ao publicar autores celebrados em tiragens caprichadas

 

O irlandês Samuel Beckett repousa em uma pacata rua do bairro Floresta. No mesmo belo casarão encontram-se a francesa Marguerite Duras e a alemã Hannah Arendt. A trinca é apenas um retrato do ajuntamento de importantes nomes da literatura nacional e estrangeira que estão sendo publicados por uma pequena editora de Belo Horizonte.

Chamar a Relicário Edições de miúda é algo contestável e não combina com a ambição literária de Maíra Nassif, a mulher de fala amena à frente da casa editorial. Com apenas oito anos de vida, os títulos da empresa vêm conquistando leitores e se destacando no disputado mercado literário com obras de relevo. Já lista facilmente entre as independentes mais interessantes do cenário brasileiro.

Os poemas de Arendt saem ainda este ano, e os versos de Beckett em 2022 - sim, a filósofa e o dramaturgo também escreveram poesias. São grandes feitos. Uma aguardada leva com dez títulos de Duras já teve início com o título “Escrever”. Entre outros publicados, mais nomes de expressão, como a feminista norte-americana Audre Lorde e a escritora brasileira Adriana Lisboa. O livro “Batendo Pasto”, da mineira Maria Lúcia Alvim, foi bastante celebrado pela crítica - a obra estava guardada há quase 40 anos.

Após uma fase inicial mais dedicada a títulos sobre filosofia da arte e crítica literária, a editora teve uma guinada. Iniciou a construção de um catálogo mais amplo, encorpado com obras de interesse geral, como escritos de Ana Martins Marques, Carola Saavedra e Edimilson de Almeida Pereira. O boca a boca, especialmente no mundo virtual, foi combustível para a Relicário pisar no acelerador, ladeado por resenhas nos principais jornais do país.

O campo da tradução, seara por ora espinhosa, também é objeto de elogios ao imóvel da rua Machado. Já foram vertidas obras do alemão, francês e espanhol, além do inglês, como o “Eisejuaz”, da argentina Sara Gallardo. A publicação, que mostra um indígena dividido entre sua cultura nativa e a conversão ao cristianismo pela Assembleia de Deus, foi elencada por Ricardo Piglia como um dos 24 livros essenciais da literatura argentina.

Ainda que jovem, a Relicário cresce em visibilidade na mídia e no interesse do leitor. Por outro lado, Maíra reclama da falta de espaço nas grandes livrarias de rede, pouco adeptas à diversidade de publicações. “Não por acaso elas fecharam as portas”, opina. “Acho que isso é uma lição. Se as livrarias quiserem ter um contato mais intenso com o público leitor, o mercado editorial se faz hoje em dia junto das editoras diversas”, completa.

 

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