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BH quer receber exposição do Santander Cultural vetada em Porto Alegre

O presidente da Fundação Municipal de Cultura, Juca Ferreira, vê com 'bons olhos' a proposta de trazer a mostra Queermuseu para a capital mineira

Por Letícia Fontes
Publicado em 12 de setembro de 2017 | 17:38
 
 
Cruzando Jesus Cristo Deusa Schiva, de Fernando Baril Divulgação

Cancelada no Santander Cultural, em Porto Alegre, no último domingo, após uma onda de protestos nas redes sociais, por causa da insatisfação de frequentadores, que acusaram a exposição de blasfêmia contra símbolos religiosos e também apologia à zoofilia e pedofilia, Belo Horizonte pode ser a próxima cidade a receber a mostra “Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira”.

Com mais de 270 obras de 85 artistas, que exploravam a diversidade dos gêneros e de diversidade sexual, o secretário de Cultura de Belo Horizonte, Juca Ferreira, vê com “bons olhos” a proposta da exposição como uma oportunidade para a cidade. “Estamos estudando se seria viável. Não há nada de concreto ainda, precisaríamos levantar qual espaço cultural da cidade poderia abrigar a exposição, tem a questão de financiamento também. Já estamos na metade do ano, os recursos estão comprimidos, mas é extremamente importante dar continuidade à mostra. Não podemos legitimar a volta da censura, conquistamos esse amadurecimento. A arte precisa de liberdade para que ela se desenvolva”, destacou.

Em seu perfil no Facebook, o ex-ministro da Cultura dos governos Lula (2008-2011) e Dilma Rousseff (2015-2016) criticou a decisão do Santander Cultural de cancelar antecipadamente a mostra, comparando a pressão feita contra a exposição por grupos ligados ao MBL com a censura do regime militar: “Os ecos do golpe de 1964 não nos deixam esquecer a tragédia de 25 anos de uma ditadura que se concretizou a partir da fabricação de um ambiente de instabilidade política, moralismo exacerbado, manipulação midiática e ruptura da coesão social. Não podemos nos enganar. A história se repete”.

Nesta quarta-feira, o secretário conversou, por telefone, com o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, e recuou. Ele manteve o posicionamento contra a censura, mas disse ser praticamente impossível trazer a mostra para a capital mineira por uma questão contratual.

O curador

O curador da mostra, Gaudêncio Fidelis, acredita que a obra seria bem recebida na cidade. A pressão viria de uma minoria conservadora. “A questão da logística poderia ser um dificultador, mas eu gostaria que qualquer lugar do país tivesse condições técnicas para receber a mostra. Foi um desrespeito com a curadoria e com os artistas selecionados. É um trabalho realizado desde 2010. Isto abre uma brecha sem precedentes no país. Capturaram e editaram imagens fora do contexto, criaram uma falsa narrativa. Foi um movimento orquestrado e conservador”, observa o curador.

Entre os autores expostos na "Queermuseu", estavam Adriana Varejão, Alfredo Volpi, Cândido Portinari, Clóvis Graciano e Ligia Clark. A mostra reunia pinturas, gravuras, fotografias, colagens, esculturas, cerâmicas e vídeos. Críticos da mostra afirmaram que alguns dos quadros representavam "imoralidade", "blasfêmia" e "apologia à zoofilia e pedofilia". Os comentários contra a exposição viralizaram nas redes, impulsionados por grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL). As pinturas mais compartilhadas mostram a imagem de um Jesus Cristo com vários braços, crianças com as inscrições "Criança viada travesti da lambada" e "Criança viada deusa das águas" estampadas, além do desenho de uma pessoa tendo relação sexual com um animal. Travesti da lambada e deusa das águas é de 2013. A obra é de Bia Leite.

“Se vier para a cidade vamos protestar e continuar estimulando o boicote. Não existe censura quando não existe aparto coercitivo, somente mostramos nossa indignação e realmente estimulamos as pessoas a boicotarem a mostra. É uma exposição que agride a crença de diversas pessoas”, afirmou o coordenador do MBL de Belo Horizonte, Ivan Gunther.

Reembolso

Nesta segunda-feira, o Banco Santander comunicou que irá devolver à Receita Federal os R$ 800 mil captados via Lei Rouanet para a realização da exposição. Em nota, a instituição pediu desculpas a todos os que se sentiram ofendidos por alguma obra que fazia parte da mostra. O objetivo da empresa, de acordo com o comunicado, “é incentivar as artes e promover o debate sobre as grandes questões do mundo contemporâneo, e não gerar qualquer tipo de desrespeito e discórdia”.

Exposição

Aberta no dia 15 de agosto e prevista para acontecer até 8 de outubro, a "Queermuseu" reuniu cerca de 20 mil visitantes no Sul do país.

Campanha no Facebook

No Facebook, internautas criaram uma página em apoio à vinda da exposição 'Queermuseu' para a capital mineira.  Horas depois da criação do evento, mais de 600 pessoas já se diziam interessadas. "Esta página tem por objetivo reunir pessoas que apoiam a reabertura da mostra! Viva a arte! Viva a liberdade!", diz a página

Não há pedofilia, diz promotor

Um dia após o cancelamento de uma exposição de diversidade sexual em Porto Alegre, dois promotores do Ministério Público do Rio Grande do Sul foram até o Santander Cultural, que sediava a mostra. A visita ocorreu na segunda-feira (11) e foi motivada por denúncias de que as obras estariam promovendo pedofilia e a sexualização de crianças, além de zoofilia.

"Fomos examinar in loco, ver realmente quais obras que teriam conteúdo de pedofilia. Verificamos as obras e não há pedofilia. O que existe são algumas imagens que podem caracterizar cenas de sexo explícito. Do ponto de vista criminal, não vi nada", disse o promotor da Infância e da Juventude de Porto Alegre, Julio Almeida, ao portal de notícias G1.