Christopher Nolan já deixou claro que não põe mais as mãos em filmes de super-heróis após assinar a trilogia de Batman com Christian Bale. “Oppenheimer”, o seu mais recente longa-metragem, com estreia hoje nos cinemas, carrega, porém, o DNA das obras do Homem-Morcego em sua narrativa.
Apesar de não ter buscado uma história linear, apostando em três linhas temporais principais, “Oppenheimer” aponta para o mesmo caminho, sustentando-se na figura contraditória do herói moderno que acaba sendo jogado, por uma sociedade arrivista e invejosa, para o outro lado do campo, virando inimigo do povo.
Essa dimensão de constante incompreensão sobre seres com dons extraordinários é o esteio do Batman de Nolan. Chegamos ao fim de “O Cavaleiro das Trevas” (2008) com o encapuzado sendo responsabilizado pela morte do promotor Harvey Dent, levando-o a uma longa reclusão.
O físico Robert Oppenheimer ganha uma abordagem mítica. Conhecido por ser o “pai da bomba atômica” que matou milhares de japoneses durante a Segunda Guerra, ele é comparado a Prometeu, o titã que, na mitologia grega, roubou o fogo dos deuses e entregou aos humanos.
Essa analogia já é explicitada nas legendas de abertura, quando somos apresentados à dualidade do personagem. O fogo toma conta da tela, numa referência à bomba. Ao dar o conhecimento do fogo aos homens, Prometeu subjugou outras raças. Um desejo de supremacia que também se seguiu ao uso da bomba.
Nolan sublinha essa característica dúbia em seu protagonista, que fica entre o prazer de criar uma arma que mudará a história e a culpa por sujar as mãos de sangue. Essa sensação de estar pisando num terreno arenoso, sempre desconfiando do real caráter do físico, permanece até o último minuto.
No início, o personagem vivido por Cillian Murphy se mostra como um visionário, um nerd antissocial à frente de seu tempo. Depois, sem maiores explicações, vira um Don Juan e um líder na área científica, reunindo as melhores cabeças em Los Alamos, nos EUA, para a criação da bomba.
O realizador se esforça para não tornar o objetivo final da missão de Oppenheimer – o lançamento das armas de grande poder de destruição sobre Hiroshima e Nagasaki – uma catarse. O momento é anticlimático e rapidamente é substituído por julgamentos regidos pela caça às bruxas anticomunista.
Com um protagonista que não cria laços imediatos com a plateia e uma narrativa que implode a sua maior construção de vida, as aspirações de “Oppenheimer” se revelam mais complexas, como se renegasse a grandiosidade que se propõe a ser, com três horas de duração e um superelenco.
Mas uma de suas linhas narrativas que passa a ter relevo nos instantes finais dá ao filme um inusitado encerramento com sabor bem definido de histórias de super-heróis. É nesse momento que tudo se clarifica, como se a nuvem de fumaça em forma de cogumelo se esvanecesse.
Entra em cena o arquirrival de Oppenheimer, um típico vilão dos quadrinhos que é movido por vingança e poder. Para uma obra que evitou a todo custo fazer do físico um poço de virtudes, não deixa de ser estranho como Nolan escolhe o caminho mais fácil e redentor, mostrando-se ainda fiel à sua maior criatura.